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'Desterro', de Maria Clara Escobar, dá as costas ao cinema com distrações

Filme sobre o atrito da mulher com o mundo ao redor se desliga da trama ao abraçar enquadramentos rebuscados e difíceis

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Desterro

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  • Elenco Bárbara Colen, Grace Passô, Juliana Carneiro da Cunha, Clarissa Kiste e Isabél Zuaa entre outros
  • Direção Maria Clara Escobar

Não é que "Desterro" não tenha o que dizer. Tem. O problema é que para chegar a ele o espectador terá de, com alguma paciência, remover a densa camada de estética que marca, do começo ao fim, este filme de Maria Clara Escobar.

Não é fácil explicar o que seja o esteticismo nesse caso. Digamos, para exemplificar, que a quantidade de planos em que os personagens aparecem de costas é muito grande.

Cena do filme 'Desterro', de Maria Clara Escobar
Cena do filme 'Desterro', de Maria Clara Escobar - Divulgação

Nada contra esse tipo de enquadramento em si. Ele pode designar o mistério de um personagem, aquilo que dele não conhecemos e talvez não venhamos mesmo a conhecer. Usado com muita frequência, tem o inconveniente de trocar a experiência pela ideia. Pode significar um abandono do cinema, um desprezo a sua qualidade única, que é a de ser uma arte com ligação direta às pessoas e às coisas que as envolvem.

No cinema de Escobar, ao contrário —neste filme, em todo caso—, parece haver um pouco de vergonha dessa arte tão vulgar, que se relaciona em linha reta com o mundo. Dito isso, o filme tem preocupações não desinteressantes.

A central diz respeito à insatisfação difusa de Laura. Parece, no primeiro momento, ser em relação ao casamento cheio de silêncios e ausências. Mas a maternidade não preenche esses vazios. Pai, mãe, irmã, menos ainda.

Ela precisa se mandar. Existe algo de especificamente feminino no caso de Laura. Quem quiser menosprezar seu drama pode recorrer às célebres linhas de Tristan Corbière —"tinha um não sei quê sem saber onde".

Com efeito, mas existe o trágico aí dentro. E disso podemos nos dar conta cada vez que vemos o rosto de Laura. Ela parece não aguentar os limites de seu corpo. Larga tudo e parte numa viagem como se ao fazer isso pudesse deixar seu corpo.

O filme ganha, no final, a pontuação de textos declamados, bem declamados, belos textos que de certa forma informam sobre a condição de Laura e, mais extensamente, da mulher.

No entanto, curiosamente, os momentos em que o filme mais parece chegar a certa plenitude são nos belos instantes em que a música invade e domina a cena.

Ela pode, num primeiro momento, significar o desespero e a errância de Israel, o marido de Laura, assim como, mais tarde, a dança entre Laura e o homem que conhece no ônibus introduz uma disposição do corpo a se manifestar acima de todo drama existencial da mulher.

Como se o corpo se antepusesse à dor que ela sente perpetuamente sem saber definir nem de onde ela vem, nem como pode solucionar esse sentimento.

Nesses momentos o filme parece se superar, se impor acima do desejo de ser artístico e mostrar seus personagens, inquietações e dores, acima do "recherché", do excessivamente trabalhado de cada enquadramento, que com tanta frequência distanciam o espectador do problema de Laura, que talvez busque representar a inadequação do corpo feminino ao mundo em que vive —no caso dela, um mundo estritamente burguês. Talvez seja mesmo estritamente pessoal.

Como sua personagem, o filme de Maria Clara Escobar parece não raro estar em busca de um problema que existe, mas que ainda não sabe bem o que é.

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