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James Cameron conta como fez 'Avatar' batendo de frente com estúdio que fez 'Titanic'

Em entrevista, cineasta que prepara sequência do blockbuster revela brigas nos bastidores e fala sobre o novo filme da obra

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Dave Itzkoff

A paisagem cultural pop em 2009 era muito diferente de hoje. Programas de TV ainda eram vistos principalmente em televisores. "TiK ToK" era um sucesso de Kesha. E o chamado Universo Cinematográfico Marvel era composto de apenas dois filmes lançados no ano anterior.

Em vez desse universo, os cinemas multiplex estavam prestes a ser dominados por "Avatar", o épico de ficção científica de James Cameron sobre uma batalha por recursos naturais travados entre colonizadores humanos da Terra e o povo na’vi, habitante de uma lua distante chamada Pandora.

"Avatar" viraria uma das maiores bilheterias de todos os tempos, arrecadando mais de US$ 2,8 bilhões em todo o mundo e três prêmios no Oscar.

Zoe Saldana em cena do filme "Avatar", de James Cameron, de 2009
Zoe Saldana em cena do filme 'Avatar', de James Cameron, de 2009 - Divulgação

Diretor premiado de "Titanic", "True Lies" e "Exterminador do Futuro", Cameron foi preparar os filmes seguintes de sua nova franquia. Agora, enquanto ele dá os retoques finais à primeira de quatro sequências planejadas, "Avatar: O Caminho da Água" —que a 20th Century Studios vai lançar em 16 de dezembro—, já se passaram quase 13 anos e muita coisa mudou.

Para ajudar o público a relembrar "Avatar" —e a filmagem em 3D que deixou as plateias deslumbradas em 2009—, o primeiro filme está sendo relançado nos cinemas agora. A estratégia visa preparar os espectadores para a sequência que está por vir e também lembrar a eles o que havia de tão especial no filme original.

Entrevistado por vídeo, Cameron disse "fizemos ‘Avatar’ especificamente para ser visto nas telas grandes". "Você faz as pessoas sentir o perfume das rosas. Deixa pegar carona nos voos. Se você está fazendo uma tomada aérea ou uma tomada submarina num lindo recife de coral, você prolonga a tomada mais um pouco. Quero que as pessoas realmente mergulhem no filme e sintam que estão lá, numa viagem com esses personagens."

Ligando de seus estúdios em Wellington, na Nova Zelândia, Cameron, de 68 anos, falou de como é enxergar "Avatar" sob ótica nova, como o mundo mudou ou deixou de mudar desde que o filme foi lançado e de se ele, que já foi rei do mundo, talvez tenha relaxado um pouco. Seguem trechos editados da conversa.

Você assistiu ao "Avatar" original recentemente? Como foi? Foi um prazer assistir ao filme totalmente remasterizado algumas semanas atrás com meus filhos, porque eles só tinham visto "Avatar" no streaming ou em Blu-ray. "Olha só, é aquele filme que papai fez anos atrás."

Então agora, pela primeira vez, eles puderam ver o filme em 3D, com um nível de luz e projeção. E a reação deles foi tipo "ah, tá. Agora entendi!". Espero que essa seja a reação da maioria do público. Os espectadores mais jovens nunca tiveram a oportunidade de ver "Avatar" num cinema. Eles podem pensar que assistiram ao filme, mas não o viram de verdade. E foi uma surpresa agradável para mim, não apenas ver como ele ainda é bom, mas também como ficou maravilhoso remasterizado.

Você viu detalhes que gostaria de poder modificar? Eu não penso assim. Quando você está editando um filme, é um processo muito intenso. É preciso lutar por cada quadro que vai ser mantido. Fiquei bem satisfeito com as decisões criativas que foram tomadas na época.

Nos mais de dez anos passados desde então, dedicamos muito tempo e energia a aperfeiçoar nosso processo. Mas não há nada no original que nos deixe constrangidos. Percebo alguns lugares bem pequenos nos quais hoje fazemos trabalho de performance facial melhor. Mas isso não chega a ser grave. Acho que "Avatar" ainda tem condições de competir com tudo que há aí fora hoje em dia.

Mesmo com tudo que você já havia realizado antes de fazer "Avatar", ainda houve elementos que você precisou brigar com o estúdio para conservar no filme? Senti na época que tivemos divergências com o estúdio em relação a certas coisas. Por exemplo, o estúdio achou que o filme deveria ser mais curto e que havia cenas demais com personagens voando nos ikrans [seres predadores voadores que pareciam dragões] —o que os humanos chamam de banshees.

Bem, fomos saber pelas pesquisas que foram essas cenas que os espectadores curtiram mais. E eu tomei posição e fui irredutível em relação a isso. Falei "sabem o que mais, eu criei ‘Titanic’". "Este prédio onde estamos reunidos neste momento, este complexo novo em seu estúdio que custou meio bilhão de dólares? Foi pago com ‘Titanic’. Por isso vou fazer essas cenas, porque eu quero."

Mais tarde eles me agradeceram. Sinto que cabe a mim proteger o investimento deles, muitas vezes contrariando o que eles próprios pensam. Mas, desde que eu proteja o investimento deles, tudo é perdoado.

O que mudou na indústria cinematográfica, na sua opinião, desde que "Avatar" foi lançado? Os fatores negativos são óbvios. O mundo descreveu uma virada no sentido do acesso fácil em casa, e isso tem muito a ver com a ascensão do streaming em geral e com a pandemia, quando literalmente arriscávamos a vida se quiséssemos ir ao cinema.

Pelo lado positivo, estamos assistindo a um ressurgimento da experiência de ver filmes no cinema. As pessoas estão com fome disso. Ainda estamos uns 20% abaixo dos níveis de antes da pandemia, mas o público está voltando aos cinemas pouco a pouco. A demora em voltar se deve em parte à escassez de grandes títulos que as pessoas teriam vontade de assistir no cinema. Mas "Avatar" é um exemplo perfeito desse tipo de filme. É o tipo de produção que você precisa ver no cinema.

O fato de saber que o público quer essa experiência de blockbuster põe mais pressão sobre você? Esse tipo de pressão sempre foi um incentivo para mim. O perigo era que havia tantos grandes filmes saindo o tempo todo, e estávamos sempre brigando por espaço. Foi por isso que recomendei à Fox adiar o lançamento de "Titanic" até o Natal, porque então teríamos o campo livre para ele em janeiro e fevereiro, e funcionou perfeitamente.

A mesma estratégia funcionou bem com "Avatar". E é claro que vamos fazer a mesma coisa com "O Caminho da Água". Mas hoje não estamos disputando tanto por espaço, porque não há mais o mesmo número de grandes filmes.

Há uma consciência da responsabilidade que temos de fazer o mesmo trabalho possível e fazer com que seja um sucesso comercial. Mas não sei como isso se traduz artisticamente para qualquer decisão que tomo sobre o filme. Eu não digo "ah, vamos colocar aquela planta ali, porque assim vamos ganhar mais dinheiro". Não funciona assim. Quando uma coisa é boa o suficiente, você meio que sabe.

"Avatar" tinha uma mensagem importante sobre cuidar do meio ambiente e dos recursos que ele nos deu. Nos anos passados desde que o filme saiu, você acha que essa mensagem foi ouvida? Não vou me sentir culpado porque meu filme não salvou o mundo. Eu não era a única voz naquela época, e certamente não sou agora, a dizer às pessoas que precisamos mudar. Mas as pessoas não querem mudar.

Adoramos queimar energia. Gostamos de comer nossa carne e nossos laticínios. Pedir às pessoas para transformar seus padrões de comportamento radicalmente é como pedir que mudem de religião. Estamos assistindo a uma série de manifestações cada vez mais tenebrosas das consequências, como essas ondas de calor na China, América do Norte e Europa, como as enchentes no Paquistão, que são apavorantes. Em última análise, ou mudamos ou acabaremos morrendo.

"Avatar" não está tentando dizer às pessoas o que fazer, especificamente. O filme não diz às pessoas 'vão votar neste ou naquele candidato, comprem um Prius, desistam de comer esse cheesebúrguer'. Ele apenas nos recorda do que estamos perdendo e nos põe em contato outra vez com aquele senso de maravilhamento com o mundo natural, algo que as crianças têm. Desde que essa beleza ainda nos emocione, ainda há esperança.

Você está preocupado com a possibilidade de que no tempo passado entre o original e a sequência o público terá perdido sua conexão com a história ou os personagens? Acho que eu poderia ter feito uma sequência dois anos depois e ela poderia ter fracassado, se as pessoas não se identificassem com os personagens ou a direção do filme.

Minha experiência pessoal foi a seguinte —fiz uma sequência intitulada "Aliens 2" sete anos após o primeiro filme. Foi muito bem recebida. Fiz uma sequência chamada "O Exterminador do Futuro 2" sete anos depois do primeiro filme. Arrecadou uma ordem de magnitude mais que o primeiro filme.

Em nosso mundo moderno, onde tudo acontece muito rápido, tive um pouco de receio de ter esperado demais, com "Avatar 2" saindo 12 anos mais tarde. Isso até lançarmos o trailer e recebermos 148 milhões de visualizações em 24 horas. Há aquele princípio da coisa que você não vê há muito tempo mas com a qual fica deslumbrado. "Uau, faz um tempão que a gente viu isso, mas me lembro de como foi bacana naquela época." Será que isso vai funcionar a nosso favor? Não sei. Vamos descobrir.

No primeiro dia rodando um filme novo, ou eu usava aquele boné ou usava minha camiseta que diz "confrontado com a criatividade, o tempo perde o sentido". Só para agitar o estúdio um pouquinho. Acho que não usei o boné de HMFIC no novo "Avatar".

Este aqui é o James Cameron mais gentil, mais suave. É um sujeito relax, zen, do bem, sensível às necessidades e às exigências emocionais de todo o mundo. Nada de microagressões por aqui. Geralmente funciona bem nos primeiros 15 dias.

Tradução de Clara Allain

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