Morre Bruno Latour, francês pioneiro da ecologia política e da filosofia da natureza

Autor tinha 75 anos e conquistou leitores ao defender que ambiente deveria estar no centro do debate político

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São Paulo

O antropólogo, filósofo e professor francês Bruno Latour morreu na madrugada deste domingo, dia 9, aos 75 anos. A informação foi confirmada pela editora La Découverte, que publica seus livros.

"Éditions La Découverte recebeu com pesar a notícia do falecimento de Bruno Latour esta noite em Paris. Todos os nossos pensamentos estão com sua família", escreveu a editora em comunicado enviado à agência de notícias AFP.

Um dos mais importantes intelectuais franceses de sua geração, Latour foi um pensador da filosofia da natureza e da ecologia política.

O filósofo, antropólogo e sociólogo francês Bruno Latour, que morreu aos 75 anos
O filósofo, antropólogo e sociólogo francês Bruno Latour, que morreu aos 75 anos - Joel Saget/AFP

Nascido em 22 de junho de 1947 em uma família de comerciantes de vinho em Beaune, no centro-leste da França, ele se formou em filosofia e antropologia. Depois, lecionou em escolas de engenharia na França, mas também no exterior, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, onde foi professor visitante em Harvard.

Foi um dos primeiros intelectuais a perceber a importância do pensamento ecológico. No entanto, foi reconhecido acima de tudo nos Estados Unidos e na Inglaterra, e vários de seus trabalhos foram publicados pela primeira vez em inglês.

O conjunto de sua obra recebeu o Prêmio Holberg em 2013 e o Prêmio Kyoto em 2021. Segundo o júri do Prêmio Holberg de Ciências Sociais, Latour era "criativo, bem-humorado e imprevisível". Ele também foi descrito pelo jornal New York Times em 2018 como o "mais famoso e incompreendido dos filósofos franceses".

O intelectual interessava-se, entre outros assuntos, por questões de gestão e organização de pesquisa e, em geral, pela forma como a sociedade produz valores e verdades.

Entre suas obras traduzidas para o português estão "Onde Estou: Lições do Confinamento Para Uso dos Terrestres" (ed. Bazar do Tempo, 2021), "Júbilo ou os Tormentos do Discurso Religioso" (ed. Unesp, 2020) e "Políticas da Natureza: Como Associar as Ciências à Democracia" (ed. Unesp, 2018).

Após o anúncio de sua morte, o presidente francês Emmanuel Macron fez um elogio no Twitter, definindo Latour como "um espírito humanista e plural, reconhecido em todo o mundo antes de ser reconhecido na França".

O filósofo francês Bruno Latour posa para foto após receber o Prêmio Holberg, em 2013 - Tor Erik H. Mathiesen/AFP

Em entrevista para a Folha em 2020, ele afirmou que, se o Brasil achar a solução para si, vai salvar o resto do mundo.

Na ocasião, conectou as múltiplas crises que vivemos com o dilema ambiental —que para ele não era mais uma crise, mas uma mutação— e defendeu que o negacionismo climático iniciado nos anos 1990 está na raiz do escapismo da realidade, fenômeno que teria levado às eleições de Donald Trump e de Jair Bolsonaro e que se refletiu na negação da pandemia de Covid-19.

Para ele, nenhum outro país enfrenta sobreposição de crises tão extremas quanto o Brasil. Segundo ele, o país é "onde está visível tudo aquilo que vai ser importante nas próximas décadas".

No ano passado, ele disse à agência de notícias AFP que as mudanças climáticas e a crise da pandemia revelaram uma luta entre "classes geossociais". "O capitalismo cavou sua própria sepultura. Agora trata-se de repará-la", disse ele.

Ele resumiu seu trabalho para o público em geral em algumas de suas obras e ampliou seu número de leitores com ensaios sobre política.

Num desses trabalhos, defendeu a hipótese de que "há 50 anos não entendemos nada sobre posições políticas, se não dermos um lugar central à questão do clima e sua negação".

"É como se grande parte das classes dominantes tivesse chegado à conclusão de que não haveria mais espaço na Terra para eles e para o resto de seus habitantes. Isso explicaria a explosão das desigualdades, o grau de desregulamentação, críticas à globalização e, sobretudo, o desejo desesperado de voltar às velhas proteções do Estado nacional", segundo ele.

Ele também foi um dos idealizadores da teoria, nova na sociologia, do "ator-rede", que leva em conta, para além dos humanos, objetos (ou "não humanos") e discursos, sendo estes também considerados "atores".

Latour era casado com a musicista Chantal Latour e deixa dois filhos.

Com AFP

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