Peça inédita de Guarnieri, 'A Pipa de Diógenes' vira livro após 60 anos com tema atual

Parceria com Vianinha, obra que estava engavetada retrata fascismo, greves estudantis e autoritarismo pré-ditadura

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Entre 1958 e 1960, os dramaturgos Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, viveram trajetórias estelares com as montagens de "Eles Não Usam Black-Tie" e "Chapetuba Futebol Clube", obras essenciais para a modernização do teatro brasileiro.

Os textos marcaram individualmente os dramaturgos, mas, antes, os amigos haviam se reunido para escrever "A Pipa de Diógenes", peça que permaneceu engavetada por mais de 60 anos e vê a luz do dia ao ganhar edição em livro, lançado pela editora Jabuticaba.

Capa do livro A Pipa do Diógenes
Capa do livro 'A Pipa de Diógenes' - Divulgação

A obra marca o início da produção da dupla, voltado a temas trabalhistas e dos direitos essenciais da população, e surgiu de uma pesquisa de Juliana Caldas e Lígia Balista, que se debruçaram sobre o acervo de Guarnieri doado ao Laboratório de Informação e Memória do Departamento de Artes Cênicas da USP.

"É sem dúvida um embrião do que viriam a ser as outras peças, porque o texto não mostra nenhuma cena de greve, mas discute muito os efeitos do que seriam as paralisações estudantis", afirma Balista, que encontrou outros materiais inéditos, mas nenhum finalizado e com diferentes versões como "A Pipa de Diógenes".

Presumivelmente escrita em 1958, "A Pipa de Diógenes" narra os conflitos que ocorriam na Faculdade de Filosofia de São Paulo quando um grupo de estudantes discutia a contratação de um professor e planejava uma greve estudantil.

A pesquisadora estabelece relações da obra com o Brasil contemporâneo ao citar o movimento secundarista de 2015 e os debates estabelecidos sobre o fascismo e a truculência do poder, embora em contextos diferentes.

"Eles estão num ambiente pós-Segunda Guerra Mundial, antes da ditadura. Então o governo de Getúlio [Vargas] é o principal ponto de discussão. Nada que se assemelhe com o que vivemos hoje, mas é possível construir conexões."

Entre outros arquivos encontrados pelas pesquisadoras estão um texto em início de processo e assinado por Guarnieri com a dramaturga mineira Consuelo de Castro, argumentos não desenvolvidos e roteiros de shows estrelados pelo compositor Edu Lobo.

Balista se diz especialmente interessada pelas cartas trocadas entre Guarnieri e integrantes do Teatro de Arena, de Augusto Boal, do Teatro Brasileiro de Comédia, de Cacilda Becker, e amigos do Teatro Paulista do Estudante, além de familiares e companheiros de protestos.

Contemplado pelo edital Rumos, do Itaú Cultural, o projeto "Inéditos da Dramaturgia de Guarnieri e a Produção Cultural Crítica no Brasil a Partir dos Anos 1950" foi essencial para a produção do livro e do processo de catalogar o material.

Balista vê o projeto como uma exceção na realidade do campo de pesquisas, que vem sendo sucateado pela falta de investimento. "Falta braço, falta dinheiro, o prédio da USP está precário, e isso é uma batalha sem fim, cada vez mais penosa", diz.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.