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'A Pedra da Loucura', de Benjamín Labatut, não cativa novos leitores

Presente na Flip, autor chileno faz livro desigual de crítica e elogio da loucura como chave de interpretação do mundo

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Lívia Prado

A Pedra da Loucura

  • Preço R$ 49,90 (72 págs.); R$ 34,90 (e-book)
  • Autoria Benjamín Labatut
  • Editora Todavia
  • Tradução Mariana Sanchez

Há infinitos maiores que outros. Em "A pedra da loucura", o escritor chileno Benjamín Labatut interpela a ferida aberta por Georg Cantor e outros matemáticos pioneiros na mais racional das ciências. Na obra, coexistem a incerteza inerente ao mundo contemporâneo, eventos recentes da vida do autor e a convulsão social no Chile.

No primeiro de dois breves ensaios, Labatut explora obsessões do matemático alemão David Hilbert e dos escritores estadunidenses H.P. Lovecraft e Philip K. Dick. O tom é semelhante ao de "Quando Deixamos de Entender o Mundo", sem, no entanto, a saborosa ficcionalização de eventos circundantes a avanços reais da ciência que consagrou o escritor.

benjamin labatut
O escritor chileno Benjamín Labatut, autor de 'Quando Deixamos de Entender o Mundo', da Todavia - Juana Gómez/Divulgação

Ainda que com menos concessões romanescas, Labatut prossegue o relato entabulado em seu livro anterior. Como o lendário matemático Alexander Grothendieck, que irrompia na sala de aula em meio de uma discussão consigo mesmo iniciada no corredor, traça intertextualidades com sua própria obra.

Isso se nota, por exemplo, quando Labatut dá um salto quântico do cerco às ciências naturais no século XX à convulsão social no Chile de 2019. Tanto a chamada "singularidade" do país andino quanto a comparação dos protestos à implosão de "uma estrela antiga que esgotara todo o seu combustível nuclear" remetem aos descobrimentos de Karl Schwarzschild narrados em "Quando Deixamos de Entender o Mundo". Piscadelas para quem o leu, são oportunidades perdidas de cativar com o mesmo vigor o leitor recém-chegado à sua obra.

Mais frouxo, o segundo ensaio se inicia com uma cuidadosa descrição de "A Extração da Pedra da Loucura", quadro de Hieronymus Bosch que dá nome ao livro. De maneira anticlimática, no entanto, derrapa para um afoito relato dos ataques feitos a Labatut por uma escritora amadora que se crê vítima de um complexo esquema editorial de plágio.

No centro das inquietações científicas narradas por Labatut em sua obra anterior, subjazia a busca por conectar saberes fragmentados. Grothendieck, por exemplo, "queria prender o sol nas mãos, desenterrar a raiz secreta capaz de unir inumeráveis teorias sem nenhuma relação aparente".

Em "A Pedra da Loucura", pelo contrário, a fragmentação do conhecimento é exaltada, na voz de Lovecraft, como "a coisa mais misericordiosa do mundo". A ameaça, aqui, é a luz do conhecimento total, da qual estaríamos provisoriamente protegidos pelo isolamento de cada ciência. A revelação do todo seria tão terrível que nos obrigaria a refugiar-nos em uma nova era das trevas.

Labatut, então, sugere que a interconexão entre campos antes isolados da vida humana e o consequente aumento da complexidade dificultam a apreensão da realidade. Mais conhecimento acarretaria menos compreensão. Ao mesmo tempo, porém, aponta o colapso das grandes histórias como causa do atual mal-estar na civilização. Estaríamos no interregno de pulverização dos relatos próprio das redes sociais, à espera da próxima grande narrativa que nos redima com seu poder encantatório e ordenador.

Tanto a interconexão quanto a fragmentação seriam, portanto, responsáveis pela falta de sentido em que afundam indivíduos, revoltas populares e, em última instância, o edifício do conhecimento humano. Longe de resolver essa aparente contradição, Labatut se debruça sobre o fenômeno: o caos é a norma; verdade e loucura se irmanam como num livro de Dick. A sensação de pesadelo semirreal aumenta à medida em que a crise de credibilidade da ciência é aproveitada por líderes populistas ao redor do mundo.

Com méritos trepidantes, "A Pedra da Loucura" ganha robustez se lida à contraluz da obra pregressa de Labatut. A confusão entre médico e paciente psiquiátrico, plasmada na trepanação de Bosch, é recorrente nas artes. Se não ajuda a identificar sua cura, que Labatut nomeia mas não receita, ao menos dá fé da vigência da pergunta de o que é, afinal, a loucura.

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