Descrição de chapéu
Livros Flip

Autobiografia de Ricardo Aleixo relata vida através da experiência negra

'Sonhei com o Anjo da Guarda o Resto da Noite' mira fãs e mostra como escritor, presente na Flip, construiu projeto autoral

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Luciana Araujo Marques

Sonhei com o Anjo da Guarda o Resto da Noite

  • Preço R$ 59,90 (160 págs.); R$ 39,90 (ebook)
  • Autor Ricardo Aleixo
  • Editora Todavia

Na capa de "Sonhei com o Anjo da Guarda o Resto da Noite", vemos o pequeno Ricardo Aleixo em seu primeiro dia de aula. A mesma foto reaparece recortada na altura dos olhos do menino no capítulo "Primeira Vez na Escola" que, ao contrário do que se pode supor, está entre os últimos de um livro em que a infância, embora decisiva, não predomina.

O volume que dá início à prosa memorialística do poeta, performer e artista visual —e que é um dos convidados da Flip, em mesa nesta quinta —estabelece cruzamentos entre diferentes tempos e espaços. Aleixo não está interessado em se apoiar no que documenta, como o instante capturado em ambiente escolar, por exemplo. Não se fixa onde não há reconhecimento de seu vir a ser artístico —"ali é que não estou".

Ricardo Aleixo, poeta e artista visual e sonoro - Rafael Motta / Divulgação

No caminho de volta para casa, naquele dia, a criança testemunha soldados do Exército batendo em estudantes que protestavam contra a ditadura. Anos depois, ao recordar o episódio, o pai, Américo, parece enviar a ele um recado acerca de quem em vez de estudar prefere a "baderna".

Estão em algum lugar lá fora, portanto, as grandes aprendizagens de Aleixo, e no valor afirmativo contido na formulação "Áfricas dispersas" os rumos de uma vida singular nunca dissociada da experiência negra coletiva. Perpassa todo o livro uma espécie de devoção assinalada pelo destino como deslocamento e não chegada.

Nascido em Belo Horizonte em 1960, o autor destaca o fato de suas memórias serem escritas depois de bater perna por aí, por Salvador, São Paulo, Teresina, Zurique, Barcelona, Berkeley e a própria cidade natal.
Ele saiu de Minas Gerais pela primeira vez apenas aos 21 anos, mas em viagem ao Rio de Janeiro, lugar tão presente no livro quanto sua Campo Alegre, onde aos 18 anos, numa partida de futebol, toma a bolada que resulta na cegueira de um olho —acidente sobre o qual escreve enquanto sofre com o glaucoma no outro.

Ainda que a fatalidade resulte em anos de isolamento, lamúrias e horizontes de pobreza não dão o tom dessas memórias. Aleixo refuta ser autodidata por causa da sólida formação que recebeu em casa, além de ter lido com a irmã, Fatima, "ou sozinho, a maior parte da bibliografia usada por ela em sua graduação em letras, cursada na UFMG, na década de 1970". Mesma universidade que no ano passado o considerou doutor por notório saber.

Diante de todo o trazido à tona por Aleixo nestas páginas, somado às referências aos encontros de pares intelectuais em sua jornada, se destaca a construção nada imediata da tomada de consciência de um projeto autoral muito sólido, avesso a fechar caminhos e possibilidades de interpretação —um deleite para os admiradores de sua obra, mas que pode ser um pouco cifrado para não iniciados.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.