De Claudia Andujar a Alice Brill, fotógrafas registram o caos de São Paulo em mostra

Exposição no Museu Judaico destaca imagens de sete mulheres que acompanharam a explosão urbana da cidade

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São Paulo

A imagem parada mostra o bonde se deslocando no trilho e indica todo o movimento que o obturador da câmera esconde. Numa fotografia de Alice Brill feita em 1953, os trabalhadores de São Paulo acordam para mais um dia de trabalho, enfrentando outra vez a migração pendular.

Avenida São João na década de 1950 pelas lentes de Hildegard Rosenthal - Instituto Moreira Salles

Com o bonde lotado, não há outra alternativa senão ficar de pé, atar as mãos na lateral dos vagões, entre o precipício e o enquadramento da fotógrafa. O contraste em preto e branco sugere um dia de sol forte, ainda que todos os homens vistam terno ou casaca.

Os trabalhos de Brill se somam aos de outras seis mulheres —Gertrudes Altschul, Hildegard Rosenthal, Lily Sverner, Madalena Schwartz, Stefania Bril e Claudia Andujar— na exposição "Modernas! São Paulo Vista Por Elas", agora no Museu Judaico de São Paulo.

Organizada por Ilana Feldman e Priscyla Gomes, a mostra tematiza a invenção da capital paulista como a grande metrópole brasileira, pelas lentes de mulheres judias que fugiram da Europa por causa da perseguição nazista.

Todas elas trouxeram ao Brasil uma profusão caótica de línguas e costumes, se inserindo aqui em outra babel cultural, também caótica em seu cotidiano. Nos registros das artistas, acompanhamos o processo de verticalização da cidade, a explosão da comunicação gráfica em cartazes e a desigualdade, refletida no trabalho informal que tomava as ruas da metrópole.

"Pensamos em uma possível contribuição judaica para os debates em torno do modernismo e sobretudo para a fotografia", diz Feldman. "A produção dessas mulheres representa uma dissidência em relação ao cânone do modernismo brasileiro."

As obras de "Modernas! São Paulo Visto por Elas" percorrem um arco temporal de 1940 até 1990. Ao espectador de agora, fica a sensação de que somos o resultado de uma modernização construída a partir da ideia de progresso desenvolvimentista. Nesse sentido, a aceleração da metrópole, que se dava no fluxo do transporte urbano, era o primeiro sintoma das ambição de São Paulo —ser o centro nervoso do Brasil.

Por isso, Andujar também se deteve no deslocamento da massa trabalhadora. Na série "Histórias Reais - É o Trem do Diabo", concebida em 1969 para a revista Realidade, a ideia de progresso está no movimento da composição, mas os retratos das pessoas em outra composição —a da própria fotografia— oferecem uma reação ao afã capitalista.

A crítica se expressa no tédio e no cansaço de um grupo de homens no vagão. Um chega a deitar num banco, onde mal cabia. Assim, só vemos suas pernas, dentro de uma calça branca, pendendo no ar. Recuando ao primeiro plano, o enfado de um trabalhador com camisa social listrada se entrevê num olhar perdido, lançado para a fora da janela.

"Essas fotógrafas passaram a trabalhar numa escala mais humana, encontrando face a face com os retratados e sempre num contexto prosaico, daquilo que escapa de uma ideia de monumentalidade, tão presente na cidade", afirma Feldman.

Sob o plano formal, os trabalhos de Gertrudes Altschul, durante os anos 1950, representam bem o ganho estético daquela geração. São composições quase abstratas, que usam a luz e a geometria, ao modo da escola Bauhaus, para apreender a própria monumentalidade das construções da metrópole em dois movimentos.

Primeiro, ela apontou a máquina para o céu, seguindo o mesmo trajeto vertical do poste de luz elétrica. Ao fundo, se ergue um prédio moderno, todo envidraçado, que no topo ostenta um relógio, expressando na foto a passagem do tempo. Com aquele ângulo, a artista projetou o poste ainda mais alto do que o prédio.

Depois, Altschul mirou o chão, por onde as sombras do monumento se revelam. Ali, ela expressa toda a potência dos enormes edifícios, apontando para o sentido oposto do crescimento vertical da cidade.

Ainda na mostra, encontramos fotografias de Madalena Schwartz, que se notabilizou por documentar as transformistas de São Paulo —outro aceno ao cotidiano de pessoas que não foram contempladas pelo cânone moderno.

Numa das fotos, um homem idoso com um vestido corrige a maquiagem nos olhos, enquanto observamos sua imagem pelo reflexo do espelho do camarim. Noutra, outro homem de idade, com peruca e vestido, encara frontalmente a câmera da fotógrafa. "Pela fotografia, São Paulo se percebe que não é mais uma cidade provinciana, mas quer se lançar cosmopolita, antenada com as vanguardas europeias", diz Gomes.

Modernas! São Paulo Vista Por Elas

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