Descrição de chapéu
Gal Costa

Gal Costa fez seu último show com fogo típico de uma estrela em seu auge

Despedida improvável da cantora dos palcos foi diante de dezenas de milhares de jovens no Coala Festival, em São Paulo

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São Paulo

Estava todo mundo espremido um contra o outro, tentando ficar na ponta do pé e encostar o copo de cerveja na boca, quando de repente veio a voz. "Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada." Era a voz dela. "Agora não espero mais aquela madrugada."

Gal Costa chegou antes aos ouvidos que aos olhos da multidão que já começava a gritar junto, eufórica, sem ter como saber que naquele dia, no palco do Memorial da América Latina em São Paulo, ela estava fazendo o último show de sua carreira.

gal costa com braços abertos e segurando microfone
Último show de Gal Costa, no dia 17 de setembro no Coala Festival, em São Paulo - Instagram/@coalafestival

Não é pelo privilégio do retrospecto que este repórter, que esteve em um bom punhado de plateias de Gal na última década, percebeu naquela noite uma performance particularmente enérgica, pulsando a todo vapor com fogo próprio de uma artista no auge da animação.

Talvez fosse o clima de sábado de Coala Festival, de dezenas de milhares de jovens sedentos e ainda encharcados no rescaldo da banda Bala Desejo, composta por quatro garotos que exalam o mesmo aroma de liberdade doce e bárbara inaugurada por Gal e seus amigos baianos.

O vigor da cantora naquele palco era um tom além daquela que vinha se acostumando a performances mais contidas, à elegância decretada pela idade. Estava com um vestidão preto, sandálias no pé, convocando todos a cantar alto para espantar o frio daquela noite de setembro.

Uma força estranha remetia a entrega daquela noite a um frescor de juventude e descoberta, que parecia nutrir sua música de um tempo em que tudo era perigoso, divino e maravilhoso.

A escolha de repertório ficou dentro do costume. Gal exibia, como um mágico que encanta pela milésima vez com o mesmo truque, sua maneira de transformar em emoção as letras que tirou de Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, Milton Nascimento, Djavan —e Mallu Magalhães.

Assim, o público lamentava choroso que a verdade é seu dom de iludir; afirmava catártico que qualquer maneira de amor vale a pena; brincava faceiro que no peito dos desafinados também bate um coração; e rebolava triste com a história de uma rosa nunca, nunca mais feliz.

Ali pela metade da apresentação, Gal chamou dois intérpretes de gerações mais novas para se juntarem a ela. Tim Bernardes e Rubel, com quem gravou duetos em seu álbum de despedida, "Nenhuma Dor", a acompanharam à altura em alguns dos sucessos mais comoventes de sua carreira, como "Negro Amor", "Vapor Barato" e "Baby".

Em canções de sexualidade mais palpável —que falavam em esfregar a pele de ouro marrom do seu corpo contra o meu—, não demorou para que fãs se descabelassem pelos rapazes, nem para que Gal o percebesse. "Ah, se eu fosse mais jovem", brincou, enganando não se sabe a quem com a falsa modéstia.

Já perto do fim, lembrou que as eleições estavam na esquina e pediu para o público "votar direitinho" enquanto fazia a letra L com os dedos. A voltagem política contaminava a multidão, que se esgoelou em seguida perguntando ao Brasil qual é o teu negócio, o nome do teu sócio, confia em mim.

"Brasil", o manifesto de Cazuza, foi a música derradeira que Gal Costa ofereceu ao público —e também foi a última palavra que ela cantou num palco.

Eram tempos pré-eleitorais. Agora, que precisamos nos acostumar a viver em tempos pós-Gal Costa, talvez seja melhor lembrar a música com a qual abriu as cortinas do show —porque, quando se fala em deixar a sua luz brilhar e deixar o seu amor crescer, ninguém chega aos pés de Gal.

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