A construção da identidade é tema recorrente na literatura, mas que não se esgota. Em "Inglês, August - Uma História Indiana", estão reunidas e tensionadas as complexas camadas que levam à formação do sujeito.
Ser indiano é a questão que ronda a história de Agastya Sen, um protagonista marcado pela autenticidade e pela falta de propósito.
É envolvente como Upamanyu Chatterjee constrói um personagem debochado e afiado, cuja obscenidade é ora divertida, ora enervante. Sen é um jovem cosmopolita e urbano que decide seguir os passos do pai no serviço público e é enviado para a pequena, rural e fictícia Madna para um treinamento em administração distrital.
Como membro do IAS, o Serviço de Administração Indiano, o personagem é integrado a uma elite privilegiada, que olha para os cidadãos de cima, vê indignidade no trabalho braçal e está segura da própria responsabilidade nos avanços do país —se a Índia está indo para frente é graças a eles.
Na longínqua cidade, separada de Nova Déli por 18 horas de trem, Sen experimenta um profundo deslocamento, estranhando o sotaque, a comida, os mosquitos e o calor sufocante. Há muitas novidades para assimilar.
Seu status passa a ser uma marcação de presença, seu cargo cola nele como um sobrenome e o idioma e o léxico potencializam sua singularidade. "Um pouco de seu eu se infiltrava nas palavras que usava."
Enfurnado no quarto sempre que pode, experimenta uma alienação insistente e uma busca constante pelo que dá prazer. Dedica seu tempo a olhar para o teto, fumar maconha, se masturbar e meditar.
As diferenças entre o protagonista e seus colegas levam ao resgate do apelido de infância. Agastya vira August, ou simplesmente Inglês, diante da manifesta preferência por palavras inglesas e por traços culturais associados a países ocidentais. Culpa de sua origem, hindu bengali por parte de pai e cristão goense pela mãe. "Todos os bengalis são anglófilos."
Chatterjee é muito eficiente na criação de uma consonância entre os movimentos pessoais do personagem, nos quais está centrada a obra, e as mudanças pelas quais passa o país. Há uma falta de definição no horizonte individual e coletivo, uma incerteza sobre o que significa o desenvolvimento.
Madna tem novas fábricas sendo erguidas o tempo todo, e as inovações modernizantes são recebidas como esquisitices traiçoeiras. O estado mental perenemente confuso de Sen —agravado pela intensa sequência de baseados— está também nessa descoberta de contornos enevoados das novas versões nacionais, das novas possibilidades do que é ser indiano.
A universalidade desse personagem niilista, que reconhece a própria insignificância, alça o livro sem dificuldade ao posto de clássico. Agastya Sen é um homem sem raízes, que mente com facilidade sobre quem é e de onde vem, que não pensa sobre casta ou credo, mas só é o que é porque as diferenças de casta e credo existem.
Como muitos, em tantas partes do mundo, está perdido, mas desfrutando dos privilégios que o permitem estar.
O romance de formação de prosa cínica e inteligente cai, no entanto, pela repetição de diálogos anedóticos. Os encontros de Sen com outros funcionários públicos, que a princípio ajudam o leitor a construir o desenho da dinâmica morosa do serviço e das sutilezas das relações naquele grupo social, depois corrompem a fluidez da leitura e se reproduzem de forma cansativa.
"Inglês, August" foi publicado em 1988 e recebeu críticas na Índia por ser pronto para a exportação. Ainda que Chatterjee continuasse morando no país, ele foi acusado de ser mais um autor que, com um certo tom forasteiro, se propunha a ser o único ou o grande representante literário da identidade indiana.
Mas a obra teve grande interesse do público e se consolidou como um livro que conversa com uma angústia universal. "A vida se convertera em um negócio escuro e sério, com uma meta clichê: como aniquilar a inquietação em sua mente."
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