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'O Clube dos Anjos' leva Luis Fernando Verissimo às telas sem o seu humor

Produção parece presa ao limbo do filme médio, que não desafia o bom gosto para ver se consegue encontrar algum espectador

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O Clube dos Anjos

  • Quando Estreia na quinta (3) nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Otávio Müller, Matheus Nachtergaele e Paulo Mikos
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Angelo Defanti

Um problema recorrente do chamado "filme médio" é que ninguém sabe bem o que é um filme médio. Parece ser um filme que busca interessar a um número de pessoas grande o bastante para cobrir os custos, ao mesmo tempo que se afasta das vulgaridades próprias do espetáculo popular —da chanchada à dita "globochanchada".

Deve ser um produto com atores conhecidos e produção razoável, não uma superprodução, disposto a renunciar o mau gosto, mas também renuncia a arroubos artísticos, originais, muito políticos. A polidez se impõe. Esse tipo de produção pode recorrer, eventualmente, à adaptação de autores conhecidos, como faz "O Clube dos Anjos" com o livro de Luis Fernando Verissimo.

O ator Matheus Nachtergaele em cena do filme 'O Clube dos Anjos' - Rodrigo Notari/Divulgação

Ainda assim, o enigma permanece intacto —qual o público, no Brasil, capaz de aderir a esse tipo de espetáculo, que não se parece com os trabalhos da Globo, nem com os de Hollywood, mas também não se parece com o que o suposto "público médio" está disposto a buscar?

Com raras exceções, esse tipo de filme acaba numa zona morta, sem público e também sem prestígio. Será o destino deste clube?

Bem, o nome de Luis Fernando Verissimo é um apoio importante. Mas o texto seria tão propício a uma adaptação cinematográfica? Ele tem dois pontos de apoio com que todo mundo se identifica, a comida e a morte.

Para alguém da classe média, a comida —não a alimentação— não chega a ser uma preocupação, mas a gastronomia é uma ambição. Ela é habitualmente cara. Mas em alguns momentos pode ser acessível.

A morte é uma preocupação recorrente de todo ser humano —em especial dos que se alimentam regularmente. Todos chegaremos lá. Mas existe uma angústia adicional —como ela chegará? Será lenta ou imediata? Suave ou dolorosa?

O clube de que trata o filme reúne sete amigos de adolescência que cultivam o hábito de se reunir em torno de seu mentor, o português Ramos, vivido por Antônio Capelo, para refeições em que celebram o bom gosto alimentar. Eles definem a si mesmos como canalhas. Descendem de pessoas ricas, são herdeiros dispostos a queimar heranças, filhos mimados. Já se vê que são de modo geral pouco interessantes.

Com a morte de Ramos o grupo se dilacera e tende à dissolução, até o aparecimento de Lucídio, papel de Matheus Nachtergaele, cozinheiro tão misterioso quanto dotado de um talento sem igual.

Depois de cada uma das reuniões mensais em que o luciferiano cozinheiro os entope de iguarias fabulosas, cada um deles, aquele que mais apreciou o prato e a quem é reservada a última porção, morre.

Entre uma e outra refeição seria desejável que os comensais se mostrassem ao espectador. Mas eles têm o defeito da unidimensionalidade. Um é comunista e todo o tempo briga com outro, fartamente reacionário, por exemplo.

Outras características podemos buscar no rosto e no corpo de cada um. O anfitrião, Otávio Muller, é um tanto ingênuo; Paulo Miklos tem um quê demoníaco, como sempre; André Abujamra é comilão e viciado em chocolate. Nada que não decifrável de imediato.

Em todo caso, temos aí um roteiro que se desenvolve em um cenário —a sala da casa do anfitrião— e com um grupo de atores conhecidos pela capacidade e diferentes entre si como tipos.

Também não demoramos a descobrir que o desenfreado culto pelas iguarias não é distante do desejo de morrer. Estamos um pouco no território que Marco Ferreri explorou em "A Comilança", de 1973. O próprio roteiro acrescenta a isso uma ideia —não será cada morte que vem após as refeições algo que pode ser assimilado à ideia de suicídio assistido?

Afinal, todos ali se reconhecem uns inúteis, cultores do pecado da gula, canalhas. Para sua existência vazia, cuja única real paixão parece ser o bem comer, a morte após um belo prato pode ser uma bela solução para a angústia do fim. Morrer rapidamente, com a barriga cheia, depois de uma refeição inigualável, com seus pratos preferidos, não seria um privilégio?

Essa a hipótese desenvolvida neste filme que, em princípio, se apresenta como uma comédia de humor negro. Pode ser um tanto pessoal, mas em momento algum o filme me transmitiu a sensação de humor ou de não ser um produto supérfluo, quer dizer, um filme médio que tenta decifrar o enigma do filme brasileiro médio.

À força de pôr a dignidade do produto em primeiro lugar, parece não ter também decifrado o enigma do humor, nem o do cinema.

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