Descrição de chapéu

Jeff Beck foi guitarrista influente, mas sabotou seu sucesso comercial

Músico emocionou pela técnica, mas largou turnês no meio, desistiu de Woodstock em cima da hora e deu azar com hits

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Paraty (RJ)

Com a morte de Jeff Beck, o rock ficou privado não só de um músico excepcional e influente, mas de um de seus personagens mais misteriosos e volúveis, um artista que sempre fugiu da fama quando ela parecia bater à sua porta.

Beck trabalhou com alguns dos nomes mais populares do pop e do rock, como Rod Stewart, Jimmy Page, Eric Clapton e Ron Wood, mas nunca teve a celebridade deles. Nem queria ter.

Jeff Beck em show na Itália
Jeff Beck em show na Itália - Franceso Prandoni - 29.jun.2011/Leemage via AFP

Nascido numa família humilde —o pai era contador e a mãe fabricava doces— Geoffrey Arnold Beck viu sua vida mudar em 1956, aos 12 anos de idade, quando viu num cinema londrino "The Girl Can’t Help It", lançado no Brasil como "Sabes o que Quero", um musical ingênuo estrelado pela voluptuosa Jayne Mansfield.

A trilha sonora, recheada de pedradas do rock’n’roll nas vozes de Little Richard, Gene Vincent, Eddie Cochran e Fats Domino, fez o menino se apaixonar pela música jovem americana.

A dureza da família ensinou Geoffrey, ou Jeff, a se virar. Se os pais não tinham grana para comprar uma guitarra como as de James Burton, guitarrista de Ricky Nelson, e Cliff Gallup, dos Blue Caps, banda de Gene Vincent, Jeff construiu sozinho a sua primeira guitarra. Aos 13 anos, fez amizade com outro menino fanático por rock’n’roll, um tal de James Patrick Page, conhecido por Jimmy, que tinha uma incrível coleção de discos e também tocava guitarra.

Em 1965, depois de entrar na ebuliente cena de bandas de blues de Londres e tocar num grupo chamado The Tridents, Beck tirou a sorte grande ao ser chamado para substituir Eric Clapton numa banda que surgia com força, The Yardbirds.

Logo se destacou pela criatividade. O som de guitarra que ele tirou em "Heart Full of Soul", com nítida influência de cítaras indianas —emulou a sonoridade da cítara na guitarra, depois que a banda não ficou satisfeita com a gravação feita por um músico indiano—, prenunciou a onda oriental que influenciaria os Beatles e os Rolling Stones.

Os Yardbirds tiveram um gostinho da fama ao aparecer tocando em "Blow Up", de 1966, o clássico filme de Michelangelo Antonioni —já com a adição de um segundo guitarrista, Jimmy Page, o amigo de adolescência de Jeff.

Mas Beck largou o grupo abruptamente, em meio à primeira turnê pelos Estados Unidos. Foi a primeira de várias ocasiões em que ele, em vias de estourar, sabotaria o próprio sucesso comercial.

A segunda ocorreria três anos depois, em 1969, depois de lançar dois álbuns estupendos, "Truth", de 1968, e "Beck-Ola", de 1969. O primeiro assinou como artista solo e o segundo com o Jeff Beck Group, uma superbanda que contava com Rod Stewart no vocal, Ron Wood no baixo, Micky Waller na bateria e a participação do tecladista Nicky Hopkins.

Beck abandonou o grupo dias antes de tocar no Festival de Woodstock. "Eu não achava que estávamos prontos para tocar com Sly and the Family Stone", disse, modestamente. "Nós seríamos massacrados."

Esses dois discos são clássicos do blues-rock, fazendo uma fusão do que havia de mais moderno no rock com o blues clássico que Beck tanto amava. O guitarrista gravou mais dois LPs com uma nova encarnação do The Jeff Beck Group, enquanto viu Stewart e Wood saírem para o grupo Faces e depois para sucessos estratosféricos, o primeiro como cantor solo e o segundo como guitarrista dos Rolling Stones.

Em 1972, Beck teve na mão uma música que seria, provavelmente, o maior sucesso comercial de sua carreira, mas a fama novamente lhe escapou. Quando gravava guitarras para o antológico álbum "Talking Book", de Stevie Wonder, Beck pediu a Wonder que compusesse uma música para seu próximo disco.

O cantor topou e compôs, de improviso, "Superstition". Beck ficou encantado com a música e gravou uma versão pesada com o grupo Beck, Bogert & Appice, que havia montado com o baterista Carmine Appice e o baixista Tim Bogert.

Wonder também gravou a canção e combinou com Beck que lançaria sua versão depois. Mas quando a gravadora de Wonder, a Motown, ouviu "Superstition", decidiu lançá-la antes da concorrência. E o resultado foi um dos maiores hits da carreira de Stevie Wonder.

Cansado da cena musical e frustrado por negociações com gravadoras, Beck decidiu dar uma guinada na carreira. Depois de passar dois anos sem gravar, período em que se dedicou a seu hobby, a construção de carros Hot Rods, modelos antigos que modificava em sua garagem, gravou seu primeiro disco instrumental, "Blow by Blow", um trabalho conceitual e experimental, produzido pelo genial George Martin, conhecido como o "quinto Beatle".

A ideia surgiu depois que Beck ouviu um disco de Miles Davis, "Jack Johnson", e decidiu abrir mão de cantores. "Era impossível achar um cantor como Rod Stewart", disse Beck. "Pensei, vou tentar algo novo".

Depois de "Blow by Blow", Jeff Beck mergulhou de cabeça na fusão de rock com jazz, em discos basicamente instrumentais e que contaram com colaborações com músicos celebrados, como o tecladista Jan Hammer, da Mahavishnu Orchestra, o baterista Terry Bozzio e o tecladista Tony Hymas.

Sua ligação com o jazz se fortaleceu com regravações de "Goodbye Pork Pie Hat", clássico de Charles Mingus, que Beck lançou no disco "Wired", de 1976. A versão fez tanto sucesso que o próprio Mingus escreveu uma carta emocionada a Beck: "Sua versão me derrubou quando a ouvi".

A carta de um de seus grandes ídolos, disse o guitarrista, foi como um "passaporte que dava liberdade de experimentar musicalmente, de tentar coisas diferentes e excitantes".

Beck é considerado um "músico dos músicos", celebrado por colegas de profissão e admirado por sua destreza técnica e inovação. No documentário "Still on the Run", de 2018, disponível na Apple TV+, guitarristas como Jimmy Page, Eric Clapton, David Gilmour, Slash e Joe Perry fazem fila para elogiá-lo.

"O que ele faz, a maneira como combina o uso de feedback com a alavanca da guitarra e os botões de volume, é uma coisa assombrosa", diz Clapton. "Jeff Beck é um guitarrista que parece estar falando com você enquanto toca", diz Page. "Ele é um inovador, um músico que levou a guitarra a lugares novos".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.