Secretária de Cultura de SP afirma que não se faz cultura sem uso de dinheiro público

Marilia Marton, nova chefe da pasta, defende leis de incentivo e confirma dois nomes ligados a Bolsonaro em sua gestão

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São Paulo

Não haverá pauta conservadora nem não conservadora na Cultura no estado de São Paulo, afirma a nova secretária da pasta, Marilia Marton. "Aqui é a pauta de todas as pautas. A gente precisa respeitar a questão da liberdade da expressão e valorizar a nossa produção."

Com discurso inclusivo e pró-artes, a chefe recém-empossada na pasta recebeu a Folha para uma conversa nesta terça-feira na sede da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativa, no centro da capital paulista.

Marilia Marton, secretária de Cultura do estado de São Paulo, na sede do órgão, na capital paulista - Adriano Vizoni -31.jan.23/Folhapress

O órgão acaba de ganhar a palavra "indústria" no nome, diz a secretária, reforçando a visão das artes, dos games e da gastronomia como cadeias produtivas e geradoras de emprego no estado brasileiro com o maior orçamento para o setor cultural. A verba de cerca de R$ 1,1 bilhão ao ano tem que dar conta de mais de 60 equipamentos culturais, dentre os quais alguns de tarimba internacional, como a Pinacoteca e a Orquestra Sinfônica do Estado.

A socióloga de 45 anos, que se define como de direita moderada e liberal no espectro político, assumiu o cargo a convite do governador Tarcísio de Freitas, um apadrinhado do ex-presidente Jair Bolsonaro. A escolha de Marton para o posto foi considerada técnica e não ideológica pela classe artística, que vinha se preparando para a eventual nomeação de um bolsonarista linha dura.

Marton afirma dialogar constantemente com o governador e diz não sofrer pressão política para lotear cargos na Cultura entre bolsonaristas. Independente disso, ela confirmou dois nomes vinculados a Jair Bolsonaro em sua gestão. Pedro Mastrobuono, ex-presidente do Ibram —Instituto Brasileiro de Museus— no governo Bolsonaro, assume a direção do Memorial da América Latina, em São Paulo, e leva para a sua equipe Lucas Jordão Cunha, ex-chefe da Lei Rouanet nos últimos meses do mandato do ex-presidente.

Com um copo de suco intocado na mesa a seu lado, Marton fala com a desenvoltura de quem está há décadas na vida pública —ela passou pela pasta que hoje comanda como chefe de gabinete, de 2011 a 2016, atuou na secretaria de Educação do estado e trabalhou na prefeitura de São Caetano do Sul, além de ter tido outros cargos na máquina.

Quando questionada sobre como vê a Lei Rouanet, demonizada pelo bolsonarismo, a secretária afirma que "não se faz cultura sem financiamento público". "Essa frase precisa estar na mente de todas as pessoas. Não existe a gente produzir o que a gente produz, com os custos que a gente tem, sem incentivo fiscal."

Pelo gigantismo de sua produção cultural, São Paulo é o estado que mais usa o mecanismo federal de renúncia fiscal, mas a secretária inclui também em sua fala os editais locais, municipais e até de outros estados. Para se ter ideia, os cinco programas de fomento à cultura do governo paulista somaram R$ 273,2 milhões no ano passado, o maior valor dos últimos anos, e é esperado montante semelhante em 2023.

A verba deste ano terá como destino algumas prioridades combinadas com o governador, conta a secretária, dentre as quais a interiorização das atividades artísticas. Em seus encontros com gestores culturais nos últimos dias, Marton disse ter descoberto que há poucos profissionais de bastidores fora da capital, ou seja, faltam sonoplastas, iluminadores e maquiadores que possam atuar em peças de teatro em cidades do interior, por exemplo.

Ela diz querer incluir no edital do Proac ICMS algum mecanismo que obrigue os produtores culturais a trazerem para a capital profissionais do interior, para que possam ser treinados no fazer dos espetáculos e assim adquiram o conhecimento técnico faltante em suas cidades de origem. "Isso aqui [trabalhar em São Paulo] é um pós-doutorado."

Marilia Marton em seu gabinete, em São Paulo - Adriano Vizoni -31.jan.23/Folhapress

Neste ponto da entrevista, Marton se empolga e indica ao repórter uma exposição de pinturas em cartaz no Museu de Arte Sacra de São Paulo com telas inspiradas em cenas do interior do estado, mostra que diz ser "emocionante". Há uma identificação pessoal com a temática —quando pequena, ela conta, sua mãe, nascida em Viradouro, distante quase cinco horas da capital, a levava para ver os campos distantes da metrópole.

A secretária também se diz preocupada com a formação de público. Segundo ela, parte do dinheiro da Lei Paulo Gustavo, de ajuda às artes durante a pandemia, será destinada à capacitação de salas de cinema no interior paulista, levando filmes para espectadores que tiveram pouco ou nenhum contato com salas de exibição.

Marton está em vias de conhecer pessoalmente a ministra da Cultura, Margareth Menezes, em uma reunião de secretários na próxima semana, em Brasília. Ela destaca o fato de a cantora ser uma de três mulheres em posição de poder no setor —as outras duas são a secretária de Cultura da cidade de São Paulo, Aline Torres, e a própria Marton, cada uma com seu perfil. "Nós três vamos fazer grandes projetos", ela afirma.

"Vamos" aqui é uma palavra-chave, dado que a secretária diz algumas vezes durante a conversa estar concentrada no futuro. Ao ser questionada sobre como avalia a gestão de Mario Frias à frente da Secretaria Especial da Cultura do governo Bolsonaro, muito criticada por artistas, ela afirma querer olhar para a frente. "O que menos me importa agora é o que ficou para trás."

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