A Fundação Cultural Palmares foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil a Deivison Moacir Cezar de Campos por danos morais.
Professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ele processou a autarquia após um trecho de sua dissertação de mestrado ter sido incluído em um relatório de 2021 que defendia o banimento de livros do acervo da instituição.
No mestrado, Campos estudou como o Grupo Palmares de Porto Alegre foi um dos articuladores da data que se tornaria o feriado de 20 de novembro, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra.
O trecho usado de forma que foi considerada indevida está no resumo da dissertação e foi reproduzido na página 19 do relatório da fundação, intitulado "Retrato do Acervo: Três Décadas de Dominação Marxista na Fundação Cultural Palmares".
"Ao afirmar-se e organizar-se como grupo étnico, adotam uma postura e um discurso subversivo que coloca em cheque [sic] conceitos estruturantes da sociedade brasileira como democracia racial, identidade e cultura nacional", diz o trecho, em referência ao Grupo Palmares.
Campos diz que o parágrafo foi descontextualizado para atacar o 20 de Novembro e a figura de Oliveira Silveira, liderança do Grupo Palmares que ajudou a idealizar a data.
"Diante disso, eu solicitei um pedido de resposta, mas não tive retorno deles. Então, acionei advogados para conseguir uma retratação por vias legais."
Além da indenização, a juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro, da 2ª Vara Federal de Porto Alegre, concedeu a Campos o direito de redigir uma nota de esclarecimento e publicar o texto no site da Fundação Cultural Palmares.
"Mais do que a indenização, o importante é colocar o trecho dentro de seu contexto correto e recusar os ataques ao acervo da fundação e à memória do Oliveira Silveira."
A reportagem entrou em contato com a Fundação Palmares, mas não obteve resposta até o momento da publicação. Ainda cabe recurso à decisão da Justiça.
O acadêmico diz que ficou preocupado ao ver parte de sua dissertação citada no relatório. "É um documento que representa o expurgo de livros e se assemelha à queima de obras promovida pelo nazismo. Estar ligado a isso, mesmo que indiretamente, me deixou bastante preocupado."
As obras que foram banidas eram criticadas pelo então presidente do órgão, o jornalista Sérgio Camargo. À época, ele disse, sem provas, que os livros louvavam a sexualização de crianças e que eles corrompiam a missão da Fundação Cultural Palmares.
A lista do expurgo incluía obras de Marx, Engels e Lênin, Max Weber, Eric Hobsbawn, H. G. Wells, além dos brasileiros Celso Furtado, Marco Antônio Villa e Marilena Chauí.
Após a Justiça ter proibido a exclusão dos livros, Camargo decidiu colocar os volumes numa área chamada de "acervo da vergonha".
Durante o período em que esteve à frente da Palmares, ele atacou com frequência os movimentos negros. Antes de assumir a autarquia, o jornalista chegou a publicar nas redes sociais que a escravidão havia sido benéfica para os descendentes dos escravizados.
Especialistas, porém, desmentem essa declaração e afirmam que o regime escravocrata deu origem às desigualdades sociais entre negros e brancos que existem no Brasil.
Segundo Campos, a decisão da Justiça representa o fim de um período de ataques à Fundação Palmares. "Ela foi tomada por um grupo que se colocou contra a construção histórica dos movimentos negros. A sentença serve para fechar essa fase e mostrar que as ações desse grupo foram indevidas, tanto que a Justiça reconheceu isso."
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