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Palmares é condenada a indenizar professor por usar tese em expurgo de livros

Autarquia terá de pagar R$ 50 mil ao pesquisador e publicar em seu site uma nota de esclarecimento sobre trecho apropriado

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Rio de Janeiro

A Fundação Cultural Palmares foi condenada a pagar uma indenização de R$ 50 mil a Deivison Moacir Cezar de Campos‬ por danos morais.

Professor de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ele processou a autarquia após um trecho de sua dissertação de mestrado ter sido incluído em um relatório de 2021 que defendia o banimento de livros do acervo da instituição.

Sérgio Camargo promove expurgo de livros tidos como esquerdistas na Fundação Cultural Palmares
Sérgio Camargo promove expurgo de livros tidos como esquerdistas na Fundação Cultural Palmares - Reprodução/Twitter

No mestrado, Campos estudou como o Grupo Palmares de Porto Alegre foi um dos articuladores da data que se tornaria o feriado de 20 de novembro, data em que se comemora o Dia da Consciência Negra.

‬O trecho usado de forma que foi considerada indevida está no resumo da dissertação e foi reproduzido na página 19 do relatório da fundação, intitulado "Retrato do Acervo: Três Décadas de Dominação Marxista na Fundação Cultural Palmares".

"Ao afirmar-se e organizar-se como grupo étnico, adotam uma postura e um discurso subversivo que coloca em cheque [sic] conceitos estruturantes da sociedade brasileira como democracia racial, identidade e cultura nacional", diz o trecho, em referência ao Grupo Palmares.

Campos diz que o parágrafo foi descontextualizado para atacar o 20 de Novembro e a figura de Oliveira Silveira, liderança do Grupo Palmares que ajudou a idealizar a data.

"Diante disso, eu solicitei um pedido de resposta, mas não tive retorno deles. Então, acionei advogados para conseguir uma retratação por vias legais."

Além da indenização, a juíza Daniela Tocchetto Cavalheiro, da 2ª Vara Federal de Porto Alegre, concedeu a Campos o direito de redigir uma nota de esclarecimento e publicar o texto no site da Fundação Cultural Palmares.

"Mais do que a indenização, o importante é colocar o trecho dentro de seu contexto correto e recusar os ataques ao acervo da fundação e à memória do Oliveira Silveira."

A reportagem entrou em contato com a Fundação Palmares, mas não obteve resposta até o momento da publicação. Ainda cabe recurso à decisão da Justiça.

O acadêmico diz que ficou preocupado ao ver parte de sua dissertação citada no relatório. "É um documento que representa o expurgo de livros e se assemelha à queima de obras promovida pelo nazismo. Estar ligado a isso, mesmo que indiretamente, me deixou bastante preocupado."

As obras que foram banidas eram criticadas pelo então presidente do órgão, o jornalista Sérgio Camargo. À época, ele disse, sem provas, que os livros louvavam a sexualização de crianças e que eles corrompiam a missão da Fundação Cultural Palmares.

A lista do expurgo incluía obras de Marx, Engels e Lênin, Max Weber, Eric Hobsbawn, H. G. Wells, além dos brasileiros Celso Furtado, Marco Antônio Villa e Marilena Chauí.

Após a Justiça ter proibido a exclusão dos livros, Camargo decidiu colocar os volumes numa área chamada de "acervo da vergonha".

Durante o período em que esteve à frente da Palmares, ele atacou com frequência os movimentos negros. Antes de assumir a autarquia, o jornalista chegou a publicar nas redes sociais que a escravidão havia sido benéfica para os descendentes dos escravizados.

Especialistas, porém, desmentem essa declaração e afirmam que o regime escravocrata deu origem às desigualdades sociais entre negros e brancos que existem no Brasil.

Segundo Campos, a decisão da Justiça representa o fim de um período de ataques à Fundação Palmares. "Ela foi tomada por um grupo que se colocou contra a construção histórica dos movimentos negros. A sentença serve para fechar essa fase e mostrar que as ações desse grupo foram indevidas, tanto que a Justiça reconheceu isso."

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