'Veraneio' desconstrói o humor banal nas angústias de uma família brasileira

Peça no Sesc Ipiranga conta a história da celebração de aniversário incomum de uma mãe e seus três filhos

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São Paulo

Se não fosse construída por humor tão particular, a peça "Veraneio", em cartaz no Sesc Ipiranga, poderia se encaixar no gênero comédia de costumes, criado pelo francês Molière ainda no século 17. "É uma subversão da tradição, porque os personagens são angustiados, eles gostariam de viver o que não vivem", diz o diretor Pedro Granato.

Peça 'Veraneio' estreia no Sesc Ipiranga em São Paulo
Elenco da peça 'Veraneio' em cena no Sesc Ipiranga em São Paulo - Nadja Kouchi

Entre o patético e o humano, a plateia ri de um encontro de família, no primeiro verão pós-pandêmico. O texto de Leonardo Cortez conta a história de Dona Laura, vivida por Clarisse Abujamra, que recebe seus três filhos para celebrar o aniversário, na casa de praia onde passou todo o isolamento social.

O imóvel havia sido comprado por Hercília, papel de Glaucia Libertini, apresentadora de televisão conhecida por ser a filha rica. Os demais estão insatisfeitos com a vida que levam. Mário Sérgio, papel de Cortez, não aguenta mais seu emprego e o chefe. O casamento com Andréia, vivida por Tatiana Thomé, também vai mal.

Já Silvinho, interpretado pelo ator Sílvio Restiffe, é um depressivo, com alguma pretensão intelectual, que tenta fazer sucesso filmando documentários. Se seu personagem representa uma autoironia às dificuldades de toda a classe artística, a peça apreende os dilemas e os anseios de certa classe média brasileira —por isso o esboço em se filiar à comédia de costumes, que caracteriza as desventuras do cidadão comum.

Há uma tensão estabelecida logo no início da peça. Cada um no palco exprime a vocação para uma felicidade inalcançável. Dona Laura, por exemplo, se incomoda ao ver ruir a harmonia artificial que tanto cuida em manter. É atrapalhada pelo "mar de lamúrias" dos filhos.

Andréia acredita em todas as terapias alternativas que surgem nas redes sociais para alcançar a felicidade. Em certo sentido, parece ter o desejo de ascender socialmente. Não por acaso, o cenário de Diego Dac, que retrata uma vista para a praia, é só uma sugestão e não traduz a tormenta por que a família passava.

Mas é também a matriarca que rompe o moralismo dos filhos ao se envolver com Rubinho, personagem interpretado por Maurício de Barros, um homem muito mais jovem, que veste óculos Juliette, short de surfista e tem passagem pela polícia. "Não é uma peça didática e estamos num tempo maniqueísta, a mãe é quem faz a revolução ao falar sobre assuntos que são tabus até para os filhos", afirma Granato.

Por ironia, é ele quem encaminha a trama, por dois motivos. Primeiro, porque Rubinho é um elemento estranho naquela família. E, ironicamente, ele tenta reunir todos os filhos, gritando "aqui é família, pô!", várias vezes durante a peça, parecendo o Craque Neto, apresentador do programa esportivo Os Donos da Bola, da Band.

"Rubinho é uma caricatura, um oportunista, mas ele também faz Silvinho se motivar com os documentários, é o agente transformador da peça, porque desvela todas as crises abafadas do início da trama e também um anjo exterminador da classe média", diz o diretor.

"Veraneio" é um desdobramento da pesquisa iniciada ainda em "Pousada Refúgio", texto de cinco anos atrás também assinado por Cortez e encenado por Granato. Nesse estudo, a dupla buscou criar tramas que tematizam a fuga de ambientes urbanos, abordando a comédia sob uma perspectiva realista.

O riso não se daria na chamada "triangulação" dos diálogos entre os personagens, mas em espécies de planos cinematográficos. Em "Veraneio", é comum a fala de um filho se sobrepor à outra, tal como ocorre na vida real, nas reuniões de família.

É a mesma estética realista, conta o diretor, que confere profundidade aos personagens, evitando que a trama descambe para a comédia rasa. Não só os diálogos se entrecortam, as ações também, como se em cena se estabelecesse a paisagem que encontramos à nossa visão.

"Existe agora uma escola muito formalista no teatro de São Paulo", afirma Granato. "O diretor não pode aparecer mais do que o texto."

Veraneio

  • Quando até 26/02; sex. e sáb. 21h; dom. 18h
  • Onde Sesc Ipiranga - r. Bom Pastor, 822 - São Paulo
  • Preço R$ 40
  • Classificação 14 anos
  • Autor Leonardo Cortez
  • Elenco Clarisse Abujamra, Glaucia Libertini, Leonardo Cortez, Maurício de Barros, Sílvio Restiffe e Tatiana Thomé
  • Direção Pedro Granato
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