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'A Garota Radiante' subverte clichês de filmes sobre nazismo

Em sua estreia na direção, a atriz Sandrine Kiberlain relembra memórias familiares do antissemitismo na França de 1942

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Neusa Barbosa

A Garota Radiante

  • Quando Estreia nesta quinta (30) nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Rebecca Marder, André Marcon, Anthony Bajon
  • Produção França, 2021
  • Direção Sandrine Kiberlain

Em sua estreia na direção, a experiente atriz Sandrine Kiberlain opta por um olhar simples e agudo para abordar um tema complexo e exaustivamente retratado no cinema —a opressão nazista na França durante a ocupação dos anos 1940.

Assim, compõe em "A Garota Radiante", lançado na Semana da Crítica de Cannes do ano passado, um roteiro que sintetiza a explosão da juventude numa única personagem, Irene, vivida por Rebecca Marder, revelação da Comédie-Française, dispensando ambientações muito marcadas de época, como bandeiras nazistas ou soldados pelas ruas.

O minimalismo de cenários e figurinos, reduzidos ao essencial na caracterização de personagens vivendo em 1942, tem a vantagem de concentrar a energia da história naquilo que a diretora considera essencial: os sentimentos e planos de uma jovem que sonha em tornar-se atriz e emprega todas as suas energias em preparar-se para o difícil exame de admissão no conservatório.

Cena do filme 'A Garota Radiante'
Cena do filme 'A Garota Radiante' - Divulgação

Iniciando o filme com um ensaio da peça do teste, "L’Épreuve", de Pierre de Marivaux, a diretora desencadeia um processo que mistura épocas na própria estrutura da história.

Recorre assim ao texto de Marivaux, de 1740, incorporado ao cotidiano dos aspirantes a atores que revisitam as paixões do século 18 pela ótica de um início de século 20 abalado por restrições fascistas. Ao mesmo tempo, Sandrine Kiberlain permite-se a liberdade de inserir, na trilha sonora, canções contemporâneas, da banda inglesa Metronomy e do cantor norte-americano Tom Waits.

Essa diluição de uma temporalidade estrita permite ao filme viajar com mais fluidez na sensibilidade das plateias atuais. Isso possibilita identificar com mais clareza o fenômeno da intolerância e da opressão contra os judeus que se infiltra venenosamente na sociedade francesa de 1942, subvertendo o cotidiano de uma família até ali completamente normal e assimilada à sociedade.

Humaniza-se, dessa forma, o núcleo familiar de Irene, composto pelo pai contador, André, vivido por André Marcon, o irmão músico Igor, papel de Anthony Bajon, e a avó Marceline, encarnada por Françoise Widhoff, deixando notar os sinais de que a violência pró-nazista está começando a cercá-los, o que impõe à família o carimbo em vermelho da palavra judeu em seus documentos e a proibição de ter rádios, telefones e até bicicletas em suas casas, uma óbvia metáfora ao sufocamento de suas vozes.

Esse estilo de narrativa leva a que o filme se situe, em boa parte do tempo, em situações que remetem aos relacionamentos afetivos, seja dentro da família, seja fora dela, com os flutuantes interesses amorosos de Irene, oscilando entre Gilbert, papel de Jean Chevalier, e Jacques, vivido por Cyril Metzger, traduzindo a normal volatilidade emocional de uma garota de 19 anos.

Essa opção revela a intenção maior de apegar-se àquilo que constitui uma família comum, uma jovem como qualquer outra, seus amigos e amores, permitindo ao espectador antecipar a tragédia daquilo que se irá perder, com ameaças cada dia menos sutis e mais próximas.

Na captura precisa dessa atmosfera, a diretora de primeira viagem demonstra uma segurança admirável, produzindo empatia num relato que se inspira em suas origens familiares, mas aspira muito mais a tornar-se universal do que autobiográfico, mostrando-se capaz de referir-se às intolerâncias que ressurgem nos dias atuais.

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