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'Noites Alienígenas' leva o Acre às telas com melodrama inevitável

Bem dirigido, filme que derrotou 'Marte Um' em Gramado não faturou o Kikito só para dar uma força à produção local

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Noites Alienígenas

  • Quando Estreia nesta quinta-feira (30) nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Chico Diaz, Gleici Damasceno e Joana Gatis
  • Direção Sérgio de Carvalho

O começo de "Noites Alienígenas" mostra em detalhe a pele de uma cobra que parece uma tapeçaria. Mas é mesmo cobra. É enorme e gruda no pescoço de um rapaz, que levanta horrorizado. Depois, vemos um homem de meia-idade, o ator Chico Diaz, e um jovem que desenha. Não sabemos direito quem são e, menos ainda, quem é o cara que aparece dali a pouco, batendo no portão meio fora de si.

Outros personagens vão aparecendo. Saberemos que o sujeito alucinado que batia no portão é o mesmo da cobra e adquirimos a certeza de que a cobra era um sonho. Alguns cantam rap em roda. São na maioria negros. Há índigenas e brancas também. A atmosfera é de maconha —ou de drogas mais pesadas.

Cena do filme "Noites Alienígenas", de Sérgio de Carvalho, exibido no Festival de Gramado
Cena do filme 'Noites Alienígenas', de Sérgio de Carvalho, exibido no Festival de Gramado - Divulgação

Tudo parece entrar em cena meio aos trancos e barrancos. E que cena. Estamos ao que parece num drama de periferia clássico do cinema brasileiro, com jovens pobres tomados pela droga ou traficantes ao centro.

Mas é uma periferia diferente. Parece uma favela, mas bem particular. É mais um vilarejo afastado da cidade, com luzes que podemos ver ao longe, bem longe, numa evocação, talvez, de um procedimento de Adirley Queirós). A favela, ou comunidade, é separada da cidade por um rio, onde as indígenas se banham com seus filhos.

Dito assim, parece que "Noites Alienígenas" levou o prêmio de melhor filme em Gramado meio que por favor, para dar uma força à produção modesta, escrita e realizada por acreanos, com imagens de um estado, o Acre, que mal sabemos que existe. Talvez para entusiasmar uma nascente dramaturgia local é que teria batido "Marte Um", narrativa escorreita que o Brasil mandou para representá-lo no Oscar.

Nada disso. Ou talvez seja isso mesmo. É difícil dizer. Quem sabe o que acontece neste filme não seja apenas incapacidade do diretor e roteirista Sérgio de Carvalho para montar um bom roteiro, com exposição deixando claro quem são os personagens e o que fazem.

Talvez não. Fiquemos com aquilo que podemos ver. Não se trata de uma confusão. É uma narrativa que opta por certa opacidade. Enquanto tentamos descobrir quem é quem, vamos na verdade nos enfronhando na vida, impasses, dores e perigos que assombram os personagens. Pois eles assombram.

O menino drogado da primeira cena, o do sonho com a cobra, é pai de uma criança. A mãe do menino, uma boa garota, quer trazê-lo de volta para a família. O menino desenhista é meio amigo dele e do traficante Chico Diaz, mas sente-se sem destino naquele fim de mundo. Pensa em trabalhar numa gangue de traficantes.

Em suma, o melodrama de favela tradicional é solapado pela opacidade impressa à trama, com seus personagens errantes. Mesmo um momento dramático, como um grupo de gangsters disposto a matar um jovem, é solapado pela intervenção do fantástico —o alienígena do título. Com esses recursos é que garante a atenção do espectador.

O certo é que nessa mistura de floresta e deserto, nesse não lugar, o tráfico se infiltra entre brancos, negros, indígenas —esses alienígenas— com a mesma facilidade com que os povos originários são despossuídos de sua cultura e atirados em algum culto pentecostal.

Assim, é mesmo impossível fugir o tempo todo do tradicional melodrama da favela, com que nós, classe média, purgamos nossas culpas pelo estado lamentável da vida desses que vivem à margem —até mesmo da cidade, que, presumo, seja Rio Branco, capital do Acre.

Por mais que se esquive, o filme de Carvalho chegará, ao final, ao melodrama. Talvez não houvesse mesmo outra solução. Que saída oferece a vida e a nossa sociedade para esses personagens tão caoticamente reais? O crime, o tráfico, as drogas, ou então o bom caminho, o do trabalho, bem possivelmente aquele que pode levá-los ao famoso estado análogo à escravidão.

"Noites Alienígenas" tem um elenco desconhecido, com exceção de Chico Diaz, mas muito bem dirigido. E não, em definitivo, aquele prêmio não foi para dar uma força.

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