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Filmes Festival de Cannes

'Close' troca boa história de sufocamento social por clichês de festivais

Filme de Lukas Dhont não se contenta com a relação ao centro de sua história e força o drama sem um grande propósito

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São Paulo

Close

"Close" pode ser chamado de muitas coisas, menos de propaganda enganosa. O longa leva o título ao pé da letra, filmando os personagens de uma distância próxima. Essa posição da câmera, na linguagem cinematográfica, é definida como close.

A decisão não é um mero capricho, ainda que a produção pratique isso em excesso. O filme foca na amizade de duas crianças, Léo e Rémi, que passam os dias brincando nas plantações onde os pais trabalham. A intimidade dos dois, que chegam a dividir a cama, instiga a narrativa a se manter colada em seus rostos, mesmo que a região rural da Bélgica tenha lá sua cota de belas paisagens.

Igor van Dessel e Eden Dambrine em imagem do filme "Close", de Lukas Dhont
Igor van Dessel e Eden Dambrine em imagem do filme "Close", de Lukas Dhont - Divulgação

Mas é a forma como esses planos levam a visão de mundo daqueles garotos que parece chamar a atenção do diretor, Lukas Dhont. O universo ao qual o espectador tem acesso é apenas aquele que eles conhecem, da mesa na casa dos pais, onde brincam com o almoço, aos esconderijos do campo, tornados em espaços de fantasia e confidências.

É uma proposta que vai ficando interessante conforme a história avança. De volta às aulas, os dois garotos de repente se veem motivo de piada entre os colegas de classe, justamente por suas demonstrações de carinho.

A situação não é bem resolvida por eles, que processam o estranhamento da turma de maneiras diferentes. Enquanto Rémi, mais frágil, busca distância do bullying, Léo, tenta se enturmar, e rejeita o amigo no ambiente escolar.

O desconforto passa do colégio para outros ambientes e, em determinado momento, Léo decide que não quer mais dormir na mesma cama que Rémi. Os amigos não tardam a brigar, inclusive, fisicamente.

O encaminhamento da trama, escrita por Dhont e Angelo Tijssens, lembra muito o de "Girl", longa anterior da dupla. Os dois filmes prezam pela manifestação de um cotidiano sufocante, mesmo quando situado em um cenário de boas condições econômicas.

São histórias de jovens, condenados a uma lógica de mundo que os questiona pela normatividade social.

Em "Girl', uma garota trans sonha em ser uma bailarina.O filme, porém, não soube abordar a disforia de gênero da personagem e parecia estar em uma luta constante.

"Close", por sua vez, está livre para tratar da suposta malignidade dos ritos sociais. No lugar do corpo como analogia, aproxima o público do personagem, e o desconforto crescente é melhor colocado.

Nesse sentido, o novo trabalho pode ser um avanço a Dhont, bem mais confortável para trabalhar esse tema a partir de Léo e de sua relação com Rémi.

Mas esse raciocínio estanca no estágio do promissor. Lá pela metade do filme, a história passa por uma tragédia envolvendo as crianças, e a dor deixa de ser subjetiva. Descobrimos Léo como verdadeiro protagonista, e a trama do fim da relação busca novo sentido.

A troca de marcha faz muito mal ao filme. É como se ele desistisse de todos os valores e aderisse a um livro de clichês que fazem sucesso nos principais festivais. A câmera fica ainda mais solta, imitando o cinema celebrado dos irmãos Dardenne, e o sofrimento ganha corpo em temas acomodados, nas dores do luto e da solidão.

Dhont não está errado em apelar. "Close" não só recebeu o grande prêmio do júri de Cannes, como acabou indicado ao Oscar de filme internacional. São duas métricas de grande sucesso para o circuito, que já havia agraciado o diretor com a Câmera de Ouro de Cannes por "Girl".

Mas o sufocamento deixa de ser a proposta para virar condição do filme e o jogo de sutilezas é sacrificado. A sensação final é de se dar voltas eternas na história, sem chegar a lugar algum.

Resta a dúvida da primeira parte, que sugere uma natureza ambígua à relação de Léo e Rémi. Seria uma paixão ou uma amizade, afinal? O diretor não responde isso, seja no filme ou nas entrevistas.

É uma decisão boa —o mistério dá ao longa um significado maior, mesmo que ele não o tenha.

A verdade é que um dos poucos méritos de "Close" está nessa falta da solução. A tragédia não é visível, como Dhont quer, e o público já entendeu isso depois de duas horas encostado nos personagens.

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