Descrição de chapéu África

Como será a participação do Brasil na próxima Bienal de Arquitetura de Veneza

Organizadores do pavilhão questionam construção de Brasília e propõem olhar para estruturas indígenas e afrobrasileiras

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São Paulo

Brasília não foi construída no meio do nada. Os sinuosos edifícios brancos de Oscar Niemeyer subiram em território de quilombolas e indígenas, dois povos que acabaram expulsos para a periferia com a imposição da cidade modernista.

A tese de que a capital do Brasil é fruto de um processo de colonização territorial serve como ponto de partida para o projeto a ocupar o pavilhão brasileiro na próxima Bienal de Arquitetura de Veneza, uma mostra de arquitetura com projeção mundial que abre para o público em 20 de maio.

Imagem do vídeo de Ayrson Heráclito de 2015 que será mostrado no pavilhão
Imagem do vídeo de Ayrson Heráclito de 2015 que será mostrado no pavilhão - Bastien Defives

Ao questionarem o projeto da cidade do futuro no cerrado, os arquitetos e curadores do pavilhão, Gabriela de Matos e Paulo Tavares, propõem um olhar para o que chamam de arquiteturas ancestrais, ou seja, as realizadas por comunidades afrobrasileiras e indígenas.

Embora ambas tenham presença marcante no panorama do país, eram até pouco tempo invisibilizadas dentro do que se entende como arquitetura brasileira, afirma Matos.

O pavilhão será dividido em duas salas. A primeira, "Descolonizando o Cânone", problematiza a história oficial de Brasília com uma seleção de fotos de arquivo organizada pela historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, um vídeo da cineasta Juliana Vicente e a exposição de dois mapas, um comissionado para a mostra, "Brasília Quilombola", e outro dos anos 1940 atualmente usado pelos indígenas para reivindicação de direitos territoriais.

A segunda galeria, "Lugares de Origem, Arqueologias do Futuro", reflete sobre o papel da terra como crucial na arquitetura brasileira. Os curadores defendem que o solo é o elemento comum nos terreiros das religiões de matriz africana e também nas estruturas indígenas.

Tanto em uma estrutura quanto em outra, "a natureza é parte, não apartada", diz Matos. "Isso passa pela organização do espaço , por causar o menor dano possível no entorno e também pelo sistema construtivo que é utilizado."

Nesta galeria serão mostrados terreiros de Salvador e um vídeo do artista Ayrson Heráclito sobre edifícios na capital baiana ligados a história da escravidão, construções que dialogam com o tema desta 18ª bienal, que versa sobre descolonização e descarbonização na arquitetura do amanhã.

Os curadores resolveram estender sua discussão para a própria edificação do pavilhão brasileiro, localizado no Giardini. O piso será todo coberto por terra e a fachada vai receber gradis com o símbolo africano do sankofa —um pássaro que olha para trás antes de projetar o futuro—, ornamento comum em portões de casas brasileiras. A proposta, com caráter de reparação histórica, está conectada com o pós-Black Lives Matter, segundo Tavares, o curador.

A fachada do pavilhão brasileiro com os gradis
A fachada do pavilhão brasileiro com os gradis ornados com sankofas - Gabriela de Matos e Paulo Tavares

Intitulada "O Laboratório do Futuro", a bienal deste ano dá papel central à África. Dos 89 participantes da mostra principal, mais da metade tem origem no continente ou vem da diáspora africana.

A exposição, organizada pela acadêmica e arquiteta ganense-escocesa Lesley Lokko, gira em torno da diversidade e da inclusão de vozes marginalizadas na arquitetura e debate o que seria um futuro com cada vez menos carbono.

Segundo Lokko, a ideia é usar exemplos do continente africano para pensar o que acontece no mundo todo. "[A África é] o continente com a população mais jovem do mundo, a urbanização mais rápida, crescendo a uma taxa de quatro por cento ao ano, muitas vezes às custas dos ecossistemas locais —portanto, também estamos na vanguarda das mudanças climáticas", disse Lokko.

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