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'Skinamarink' promete tirar o sono, mas terror entrega canção de ninar

Filme vale pela tentativa de inovação, mas se perde na indecisão entre ser experimental e agradar o grande público

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Skinamarink: Canção de Ninar

  • Quando Nos cinemas a partir de quinta-feira (23)
  • Classificação 14 anos
  • Direção Kyle Edward Ball

O horror talvez seja o gênero cinematográfico que mais tenha apresentado tentativas de renovação nas últimas décadas. E "Skinamarink: Canção de Ninar", estreia em longas de Kyle Edward Ball, figura das mais curiosas investidas em trazer algo de fato inventivo ao gênero, com uma mescla entre elementos de um cinema mais comercial com outros típicos de uma produção experimental, até não narrativa.

O fato de ter conseguido deixar de ser um projeto de caráter mambembe e ir parar em salas comerciais é uma proeza e tanto, mas um feito merecido.

Aliás, é mesmo no escuro de um cinema, sem interrupções, que o filme de fato há de se tornar uma experiência em que todo o seu potencial tenebroso e sua proposta sensorial serão plenamente vivenciados. Mas é preciso reconhecer: mesmo quando visto em tela pequena, o filme ainda assim consegue efeitos bem interessantes.

Detalhe do pôster do filme 'Skinamarink: Canção de Ninar', de Kyle Edward Ball

A "trama" —se considerarmos que o filme de fato possui uma— é sobre duas crianças que se encontram sozinhas na sala de casa. Kevin, o mais velho, e Kaylee, mais novinha, não conseguem ter acesso ao mundo de fora daquele lar. Assustados, conversam um com o outro apenas aos sussurros, enquanto assistem a desenhos animados.

De vez em quando, ouvem vozes insólitas, vindas sabe-se lá de onde –e muitas vezes dizendo sabe-se lá o quê–, que talvez sejam falas dos seus pais. Os genitores parecem estar no quarto, mas as presenças ali são por demais vaporosas para as crianças terem certeza de alguma coisa –ou será que quem está lá são seus espectros? Vai saber...

E o filme avança com imagens singularmente estranhas, por vezes inexplicáveis, mostrando o que provavelmente seria a percepção desses pequeninos sobre um mundo em que fossem abandonados sozinhos, com seus brinquedos.

Na verdade, o filme é uma grande fantasmagoria sobre medos infantis –em especial, o pavor de crianças serem abandonadas por pais que estão em crise conjugal. Tudo isso construído a partir de imagens imprecisas, quase abstratas, em um sépia granulado que faz pensar em filmes antigos rodados em Super 8, no escuro.

Muito do que os filmes de terror possuem de mais efetivo em termos de dar medo no público vem justamente da falta de informações que o espectador tem sobre o que está acontecendo –ou, mais ainda: sobre o que está prestes a acontecer.

Nesse sentido, "Skinamarink" é o longa de horror por excelência, porque a plateia fica tão ou mais desnorteada e perdida naquela casa lúgubre (e algo fúnebre) quanto os pequeninos Kevin e Kaylee. E, em alguns momentos, tão apavorada quanto.

Há quem diga que o filme tenha parentesco com os terrores em estilo "found footage", como "Atividade Paranormal", mas não existe um padrão na forma como as imagens são registradas de modo que caracterizassem registros de câmeras dentro de casa.

O filme, aliás, não segue um princípio específico na forma como compõe ou apresenta suas imagens –se obedece a alguma regra, é a do onirismo. Em essência, parece antes uma obra de inspiração lynchiana –do David Lynch de "Rabbits" (embora "Skinamarink" não tenha o menor humor), mas também do de "Império dos Sonhos", em sua atmosfera carregada de dúvidas e de inquietação.

Ball se mostra um cineasta em geral muito hábil. Consegue um uso especialmente tenebroso na maneira como explora trechos de desenhos animados. Extrai desses filminhos inocentes uma faceta apavorante e demoníaca –há uma cena aterradora em que um trecho de um dos cartoons se repete em looping, como se fosse um disco furado.

O aspecto lúdico se torna satânico, e Ball mostra que sabe que trucagens simples como essa são capazes de petrificar o público com muito mais intensidade que se o filme trouxesse fantasmas ou monstros grunhindo para a câmera.

Mas as boas ideias de Ball precisariam de uma costura narrativa mais robusta para que o filme de fato funcionasse enquanto um longa de horror comercial. Em sua indecisão entre ser uma obra experimental e um filme para o grande público, acaba perdendo estamina nos dois sentidos com o passar do tempo. Torna-se uma obra um bocado enfadonha.

Depois de uns 40 minutos, o excesso de tempos mortos também mortifica a plateia. Ainda que seja um produto original e que vale por sua tentativa de inovação, o longa, por fim, comete o maior pecado de um filme de horror: começa prometendo tirar o sono de quem vê, mas acaba sendo um convite quase irrecusável a ele.

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