Por que 'São Sebastião' agora mostra virilha em exposição de Guido Reni na Espanha

Pano que censurava parte do corpo foi detectado e retirado em restauração feita pelo Museu do Prado, em Madri

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Madri

Entre as 96 obras vindas de 40 entidades de todo o mundo para compor a exposição do italiano Guido Reni no Museu do Prado, em Madri, destaca-se uma grande pintura a óleo, de 1,70 m de altura por 1,33 m de largura.

É o "São Sebastião", pintado em 1619 e que, em algum momento posterior, teve um "pano de pureza" aplicado em cima de sua virilha. Os especialistas atribuem a censura a Isabel de Farnesio, rainha da Espanha em 1746, quando a obra aparece como parte de sua coleção, mas não há documentação comprovando o ato.

"A repintura, realizada em data indeterminada, usa o pano de pureza para censurar o que se considerava então, nudez excessiva do santo, dando-lhe assim uma imagem mais pudica", explicou Almudena Sánchez, restauradora do museu responsável pelo trabalho.

À esq., 'São Sebastião', de Guido Reni, com o pano de pureza encobrindo a virilha e, à dir., após o restauro - Museo do Prado/Divulgação

Guido Reni, que viveu entre 1575 e 1642, foi um pintor bolonhês que se destacou no movimento barroco italiano. Para sua mostra no Prado, que abriu no mês passado e vai até julho, meia dúzia de obras foram restauradas.

Mas a maior surpresa foi quando, há pouco mais de um ano, "São Sebastião" passou por um raio-X e o pano extra foi detectado. A pintura já tinha um pano de pureza original, uma vez que condenados à morte eram executados sem roupa.

Segundo Sánchez, a radiografia e a luz infravermelha revelaram claramente uma diferença técnica entre uma camada de tinta posterior e a original. Mesmo a olho nu é possível olhar apenas a imagem antes do restauro e perceber o contraste entre a naturalidade do tecido pintado por Guido Reni e a rigidez de algumas dobras forçadas e pouco realistas do tecido adicionado depois.

"Os primeiros testes foram feitos para verificar se era possível removê-lo mecanicamente, com bisturi, e com auxílio de lupas e microscópio. Mas a primeira coisa que tínhamos que descobrir era o estado da pintura original. Era importante ter a certeza de que iríamos resgatar uma pintura em bom estado e que não havia sofrido perdas ou abrasões antes de ser coberto pela repintura", disse a restauradora.

"Para isso, passamos a abrir pequenas janelas através das quais íamos conferindo o bom estado da pintura. Assim, continuamos ampliando aquelas janelinhas que, pouco a pouco, foram se expandindo, expondo aquela parte do corpo do santo que tinha sido censurada. À medida que a repintura foi reduzida, a coloração da pele foi surgindo à superfície até conseguirmos a presença completa dessa parte do corpo na composição tal como projetada e concebida por Guido Reni", contou Sánchez

Radiografia de "São Sebatião", que permitiu ver que parte do pano de pureza havia sido pintado posteriormente - Museo do Prado/Divulgação

A virilha de são Sebastião não foi a única coisa que apareceu no restauro da obra. A mão esquerda do santo, que aparece por trás de suas costas, estava invisível após 404 anos. Inúmeros detalhes da árvore atrás dele também viram a luz.

Por fim, o processo de limpeza também permitiu recuperar a profundidade da composição e "perceber melhor o espaço entre os planos, bem como o ar que o envolve a figura do santo".

Santo popular, a quem foi atribuído o poder de deter epidemias de peste, diz-se que ele foi um soldado romano do século 3, condenado à morte por meio de flechas por tratar bem demais os prisioneiros cristãos. Foi socorrido ainda vivo por santa Irene e se apresentou novamente ao imperador. Desta vez, porém, foi espancado até a morte e teve o corpo jogado no esgoto.

Guido Reni

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