Johnny Depp abre Cannes com filme de tom feminista e cena de violência doméstica

'Jeanne du Barry', dirigido pela também atriz Maïwenn, não compete pela Palma de Ouro e vem gerando polêmica

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Cannes (França)

O Festival de Cannes, insaciável fonte de atenção, escolheu a polêmica para abrir sua 76ª edição, nesta terça (16). A princípio, "Jeanne du Barry" pode parecer inofensivo e exageradamente francês. Basta olhar para os rostos do cartaz, porém, para entender o porquê de ter gerado tanto frenesi.

Maïwenn e Johnny Depp em cena do filme "Jeanne du Barry", dirigido pela própria Maïwenn
Maïwenn e Johnny Depp em cena do filme "Jeanne du Barry", dirigido pela própria Maïwenn - Stephanie Branchu/Divulgação

Johnny Depp, ator americano que se viu num imbróglio judicial com a ex-mulher, Amber Heard, foi escalado para viver o rei francês Luís 15, em seu primeiro papel depois do caso hipermidiatizado. Uma escolha interessante –dele, de carreira, e da diretora Maïwenn, de elenco.

Por isso, o filme é tratado com as láureas normalmente reservadas apenas à mostra competitiva e aos poucos blockbusters que desfilam na Riviera Francesa, atraindo muito mais interesse que o longa inaugural da edição passada, o insosso "Final Cut!", de Michel Hazanavicius.

"Jeanne du Barry", provavelmente mais por acaso do que por intenção, usa a onda de curiosidade para engrandecer ainda mais sua trama, de tons épicos escancarados já nos créditos iniciais, acompanhados de uma trilha sonora pesada.

Não é para menos. Maïwenn grava, afinal, a vida de uma das figuras mais curiosas e romantizadas da corte francesa, a condessa Du Barry. De criança pobre a cortesã de luxo e, depois, de amante preferida do rei Luís 15 a vítima da guilhotina revolucionária, Marie-Jeanne Bécu teve uma trajetória que se enquadra no velho conto do renegado que, contra tudo e contra todos, sobe na vida.

Material perfeito para Hollywood. Só que "Jeanne du Barry" não é Hollywood. É francês, como o festival no qual estreia, e traz Depp pela primeira vez numa produção do país, falando numa língua estranha a ele. O sotaque às vezes aparece, mas nada que incomode –ao menos os não nativos.

Apesar da saída da zona de conforto na qual estava convenientemente há anos, com papéis em franquias ou pouco expressivos, o ator americano não está menos no piloto automático do que em "Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald" ou "Assassinato no Expresso do Oriente", dos quais saiu com a imagem queimada seja pelo trabalho ou pelas acusações de violência doméstica que enfrentou em paralelo.

É especialmente inquietante, portanto, que "Jeanne du Barry" tenha entre suas cenas, justamente, um caso do tipo. Deitada na banheira, a protagonista lê um livro quando o marido entra na sala e, furiosamente, agarra seus cabelos e a afunda na água diversas vezes. Ele grita incansavelmente e, na cena seguinte, a mulher aparece com um corte arroxeado perto dos olhos.

A trajetória de Jeanne é atravessada pelo machismo, e Maïwenn, que também vive a personagem, não esconde a vontade de pincelar o filme com tons feministas. Ao acompanhar toda a sua vida, com uma narração em off um tanto preguiçosa, o longa mostra como ela estava à frente de seu tempo, como desafiou costumes caretas da sociedade francesa do século 18.

Ela usa as roupas que quer, dispensa a peruca, vai a festas, se embebeda, beija e transa com todos e brada, a certa altura: "O corpo é meu!". A sensação, muitas vezes, é que ela se deixa manipular pelos interesses escusos dos homens à sua volta. Mas quando encontra o monarca, se torna claramente a pessoa que dá as cartas, e é ele quem paga de bobo influenciável.

Depp, por causa desse perfil, entrega o que já estamos acostumados a ver dele. Caretas e trejeitos que, ao menos, corroboram para o lado mais secundário e leve de "Jeanne du Barry", que faz chacota dos maneirismos da aristocracia como tantos outros filmes e séries recentes.

Detestada por quase todos na corte, a protagonista enfrenta o jeito excessivamente caricatural das filhas do rei –que lembram as irmãs idiotizadas e enciumadas de "Cinderela"– e o retrocesso de uma época contrária os modos da amante do rei, que chegou a simpatizar com a Revolução Francesa antes de ser degolada.

Com uma femme fatale à frente, "Jeanne du Barry" consegue estourar a bolha Johnny Depp e conquistar o interesse do público pela personagem em si, embora a condução da trama fique na maior parte do tempo no superficial.

Quando tenta se aprofundar em alguma discussão, como a do racismo, que tem seu estopim quando o rei presenteia a protagonista com um garotinho africano, o filme soa excessivamente didático, mas nem por isso desinteressante.

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