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'O Retorno' venceu Pulitzer com história real de líbio em busca do pai

Hisham Matar se filia ao gênero infeliz do relato de exilado do Oriente Médio ao contar família perseguida por Gaddafi

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O Retorno – Pais, filhos e a terra ao meio

  • Preço R$ 76,90 (272 págs.)
  • Autoria Hisham Matar
  • Editora Âyiné
  • Tradução Odorico Leal

Hisham Matar interpretou a notícia da queda do ditador Muammar Gaddafi em outubro de 2011 como um convite para voltar à Líbia, seu país natal. Ele vivia no exílio havia mais de três décadas. Poucos meses depois, já estava no aeroporto do Cairo, à espera de um voo que cruzaria tempo e espaço, até a terra de sua infância.

É ali que o leitor de "O Retorno" encontra Hisham –ansioso diante do portão de embarque, pensando em desistir. O livro, que chega ao Brasil pela editora Âyiné, conta a história daquela viagem real. O texto foi premiado em 2017 com o prestigioso troféu Pulitzer na categoria de autobiografia.

homem de óculos e roupa preta em casa
O escritor Hisham Matar, premiado com o Pulitzer por 'O Retorno' - Diana Matar/Divulgação

Hisham voltou à Líbia em 2012 em busca de informações sobre seu pai, Jaballa Matar, desaparecido. É uma história de suspense, de detetive. De quem quer respostas.

O autor nasceu em 1970 em Nova York. Seu pai, Jaballa, trabalhava na missão líbia na ONU. Viver nos Estados Unidos era uma maneira de eles estarem distantes da Líbia —Jaballa, afinal, era um conhecido crítico do ditador Gaddafi, que estava no poder desde 1969.

A família Matar retornou a Trípoli em 1973 mas fugiu outra vez em 1979, agora para o Egito, onde Hisham cresceu. Em 1990, Jaballa desapareceu de repente.

A família chegou a receber cartas dele alguns anos depois, dizendo ter sido raptado e levado à infame prisão líbia de Abu Salim. Mas, fora isso, existe apenas um silêncio sólido que não deixa Hisham viver o luto da perda do pai.

A viagem que Hisham narra em "O Retorno" é a de uma busca desesperada por notícias. Ele acredita, de alguma maneira, que seu pai sobreviveu a um conhecido massacre de prisioneiros em 1996. Vai cruzando os desertos, conversando com amigos e familiares, visitando inclusive a prisão onde Jaballa pode ter vivido seus últimos dias.

O livro consegue o raro feito de costurar o particular e o universal em uma única –e dolorosa– colcha de retalhos. Esse feito é uma expressão da maturidade do escritor, que estreou no romance em 2006 com "In the Country of Men", ou no país dos homens, e agora vive em Londres como professor de literatura.

Hisham escreve o que, infelizmente, é um gênero em si no Oriente Médio e no norte da África: um relato de prisão. O cânone árabe está repleto de histórias parecidas, de gente que, como Jaballa, foi preso, torturado e morto. É comum também, nessa região, que escritores tratem da dor de estar longe de sua terra natal.

O celebrado poeta palestino Mahmud Darwich, publicado no Brasil pela editora Tabla, falava justamente da dureza de ser um presente ausente. Hisham recupera essa imagem para falar da sua relação com a Líbia, de que escapou, mas onde nunca deixou de estar.

Apesar de construído em cima das experiências de Hisham, "O Retorno" toca também o leitor que não carrega as mesmas bagagens que ele. O livro trata da perda de um pai –uma dor que, por natureza, une todos, independente do passaporte e da cor da pele.

O texto de Hisham é simples, quase seco, e fácil de seguir. Apesar de a narrativa avançar e retroceder no tempo, não se enrosca em si mesma nem tropeça. As digressões estão onde devem estar, guiando o leitor pelas memórias do autor, ativadas pelo que ele vê durante sua viagem. Nada fica debaixo da areia; tudo sai, vira nuvem de poeira, lembrança.

É notável o olhar revelador de Hisham, que descreve, por exemplo, a arquitetura da Líbia depois da derrocada de Gaddafi e das guerras civis. Fala das janelas fechadas, como se quisessem manter tudo –mesmo o sol– do lado de fora.

Uma das passagens mais sofridas do livro é a descoberta de que seu exílio o desconectou da terra natal de uma maneira que já não tem volta. As pessoas que seguiram na Líbia puderam permanecer conectadas a seus pontos de partida. Já Hisham, não. Foi condenado, de certa maneira, à culpa dos exilados, às identidades de quem habita os interstícios, entre aqui e lá.

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