Descrição de chapéu

Elis Regina e Tom Jobim renascem em imagens raras da gravação de 1974

Cenas de 'Só Tinha de Ser com Você' usam material original para flagrar momentos tocantes que resultariam em disco

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você

  • Quando In-Edit: dom. (25), às 18h, na Cinemateca Brasileira
  • Produção Brasil, 2022
  • Direção Roberto de Oliveira e Jon Tob Azulay

Quando "Get Back", documentário de Peter Jackson sobre os Beatles lançado em 2021 foi anunciado, alguns especialistas e aficionados manifestaram certo ceticismo. As dúvidas, porém, iriam se dissipar por completo ao se constatar a relevância dos episódios.

Algo similar poderia ocorrer diante de mais um produto associado ao álbum musical "Elis & Tom", de 1974: apresentado na programação do festival In-Edit, "Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você" tem força análoga, para a música brasileira, à do filme que mostra os bastidores de "Let It Be".

Cena do documentário 'Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você', de Roberto de Oliveira
Cena do documentário 'Elis e Tom, Só Tinha de Ser com Você', de Roberto de Oliveira - Divulgação

Utilizando material originalmente filmado em 16 mm durante as sessões de gravação em Los Angeles na época, o documentário dirigido por Roberto de Oliveira —também no festival com a reexibição do documentário "Ovelha Negra", de 2007, sobre Rita Lee— e Jon Tob Azulay mostra a aproximação gradual e oscilante entre os dois artistas de personalidades opostas.

"Só se pode copiar a quem se ama", afirma Tom, citando Stravinsky, ao confessar sua conexão profunda com Villa-Lobos e Ary Barroso. O compositor clássico carioca está, de fato, na medula da sonoridade jobiniana, enquanto o sambista mineiro define uma ideia de canção que —aquém e além da bossa nova— seria sempre perseguida por Tom.

Alguns momentos mais tocantes flagrados pela câmera nos intervalos das gravações são de Jobim ao violão cantando pérolas do repertório de Ary, como "Caco Velho" e "Na Batucada da Vida". Pianista de ofício, Jobim mostra personalidade como violonista: mesmo na informalidade, sua mão esquerda acha sem hesitação os acordes que necessita, e a mão direita exercita uma batida própria, que relê a seu modo o modelo de João Gilberto.

Depoimentos de pessoas envolvidas direta ou indiretamente no projeto são articulados com trechos musicais densos e delicados, e fica evidente a preferência (da própria Elis, em última análise) pelas canções mais dramáticas de Jobim.

André Midani, então presidente da gravadora Philips —e a quem o documentário é dedicado— sintetiza sem idealizações as complexidades humanas e artísticas geradas pelo encontro.

"Elis e Tom" é um disco de Elis ou de Tom? Em princípio seria um álbum de Elis e sua banda, tocando composições de Jobim e contando com a sua participação. Mas, por outro lado, se tornaria também um projeto a seu modo capitaneado pelo compositor, que teve 14 de suas canções interpretadas pela mais importante cantora do país.

Como se sabe, os 18 dias em que o pianista César Camargo Mariano, então casado com Elis, trabalhou nos arranjos, em diálogo com Jobim, foram tensos e penosos, e ela chegou a arrumar as malas para voltar ao Brasil. Por fim, a gravação engrenou.

O filme mostra a progressiva aproximação —em interação cada vez mais sedutora e afetiva— entre cantora e compositor.

Elis não era somente a voz tanto "trágica" como "leve" (nas palavras do crítico Jon Pareles), ou com "densidade, empolgação e sentimento profundo" (na declaração de Wayne Shorter), mas trazia consigo um grupo de músicos extraordinários e entrosados: Hélio Delmiro (guitarra), Oscar Castro Neves (violão), Luizão Maia (baixo) e Paulo Braga (bateria), além do próprio César Camargo Mariano (piano acústico, elétrico e arranjos).

Jobim àquela altura era um dos nomes centrais e mais requisitados da música popular mundial. O disco dividido com Frank Sinatra, de 1967, havia sido o único do cantor dedicado a um único compositor. Segundo Nelson Motta, entretanto, Tom vivia um período de grande amargura.

Toda vez que o espetacular som do álbum surge no documentário predomina sobre qualquer outro elemento cinematográfico. A música se impõe.

Tom arredonda tudo —sua gentileza sonora é brasileira sem ser nacionalista, é moderna e internacional, mas nunca sacrifica a segurança das raízes. E a exuberância de Elis está totalmente a serviço da arte em si e para si.

A única ressalva ao documentário é o fato de, no final, o roteiro parecer forçar uma conexão entre o álbum de 1974 e o início de um esgotamento artístico de Elis, numa tentativa um tanto apressada de conectá-lo ao processo que levaria à sua trágica morte oito anos depois. Mas mostra sem meias-palavras o (real) autoboicote de sua carreira internacional.

Elis Regina gravando "Modinha" —com o rosto de Tom Jobim surgindo ao final em brilho plácido e olhar no além— desvela a substancialidade artística atingida por esses músicos brasileiros.

Vê-se que eles têm plena consciência do que estão fazendo: a sensação é de que o filme registra um presente ampliado, tão amplo que passa, desde então, a se tornar parte fixa de tudo o que virá.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.