Cidade natal de Zé Celso, Araraquara, no interior de São Paulo, decreta luto de três dias

Dramaturgo voltou à cidade no ano passado para homenagem em festa literária, ao lado de Ignácio de Loyola Brandão

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Ribeirão Preto

A Prefeitura de Araraquara, cidade a 273 km de São Paulo, decretou luto oficial de três dias pela morte do maior nome da dramaturgia nacional e criador da linguagem tropicalista no teatro, José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso. Filho ilustre da cidade do interior paulista, ele morreu nesta quinta-feira (6) em decorrência de queimaduras sofridas em um incêndio doméstico.

O amigo e escritor Ignácio de Loyola Brandão, também de Araraquara, se disse abalado com a perda de Zé Celso. Os dois estiveram juntos pela última vez na terra natal em novembro, na abertura da Flisol, a Feira Literária de Araraquara, quando os dois foram homenageados.

Zé Celso, criador do Teatro Oficina, em ensaio para a revista Serafina de outubro de 2016

"Estou profundamente abalado, na verdade, devastado. Foram 80 anos de uma amizade que começou na infância em Araraquara", afirma Brandão à Folha. "A carreira dele foi uma carreira de fogo, de transgressão, de rejeição de uma moralidade falsa, de um regime político falso, ele enfrentou a ditadura, foi preso e torturado, teve peças proibidas, foi um lutador, teve uma vida de fogo e o fogo consumiu".

Juntos desde o Colégio Progresso e do Instituto Bento de Abreu, eles chegaram a viver juntos em um pensão quando chegaram a São Paulo e sempre seguiram a carreira um do outro com apreço.

"Poucos dos grandes diretores mudaram o teatro brasileiro, ele foi um deles, talvez seja o último. Um homem que sempre desafiou tudo, que viveu intensamente para o teatro, que mudou as coisas, uma grande perda", disse o escritor. "Só espero que São Paulo dê a praça que ele queria ao lado do teatro oficina, que a cidade lhe dê esse terreno".

Brandão conta que Zé Celso lutou por 40 anos pelo terreno em questão e que o pedido sempre lhe foi negado, tendo sido o dramaturgo inclusive intimado judicialmente sobre o risco de multa caso plantasse sequer uma árvore no local.

"Ali os dois filhos da cidade se reencontraram. E o Zé Celso entrou no palco arrastado pelos estudantes de teatro, de braços dados comigo e entramos cantando. Uma pena que o fogo tenha devastado tudo isso em alguns minutos. O homem que era o fogo foi morto pelo fogo", lamenta o escritor.

Para a secretária de cultura de Araraquara, Teresa Telarolli, a influência dele atingiu diversas gerações em todo o Brasil. "Sob a minha perspectiva, inclusive como pesquisadora, a história da cultura e da arte de Araraquara está fortemente entrelaçada com Zé Celso. [Mas é um] artista de dimensões que extrapolaram os muros da cidade".

Ao romper paradigmas, na visão de Telarolli, Zé Celso trilhou um caminho inovador para o fazer teatral. "Aliado a tudo isto, Zé Celso era um defensor intransigente da liberdade em sua plenitude. Em momentos dramáticos da história do Brasil, sempre esteve muito bem posicionado, escolhia o lado certo da história, ainda que o preço a pagar fosse muito alto".

Em suas redes sociais, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), afirmou que a notícia do falecimento causou grande tristeza para todos.

Ele destacou a genialidade e a capacidade de ser polêmico do diretor, bem como o feito de ter fundado o Teatro Oficina, umas das maiores referências da dramaturgia nacional, ícone da tropicália teatral e que depois seria convertido no revolucionário UzynaUzona.

"Ao longo de sua vida, sempre que retornou à sua terra natal marcou presença, provocou e emocionou. Zé Celso tinha como uma de suas principais características o bom humor. Era doce, brincalhão", disse o prefeito, que afirmou ter sido um privilégio ter estado com Zé Celso em diferentes momentos da trajetória dos dois.

Em nota, o município declarou que "vida e obra de Zé Celso se confundem com a história da nossa Morada do Sol" e que seu "arrojo, ousadia e brilhantismo levaram o nome da nossa cidade para o Brasil e para o mundo", sendo sua morte "uma perda irreparável para a arte nacional e para além dos palcos."

Zé Celso encenou espetáculos como "O Rei da Vela", "Na Selva das Cidades", "As Bacantes" e "Os Sertões", e chegou a ser censurado na própria Araraquara.

O caso aconteceu em 1997, quando a Fundart, então órgão municipal de Cultura de Araraquara, declarou por meio de uma liderança que não achava oportuno a volta do diretor à cidade com peça "As Bacantes" durante a 9ª Semana Luiz Antonio —evento local que homenageava o ator e diretor Luiz Antonio Martinez Corrêa, irmão de Zé Celso,falecido em 1988, no Rio de Janeiro.

Na época, Zé Celso e outros atores foram acusados de ofender, dois anos antes, alguns ritos religiosos durante cenas da peça "Mistérios Gozosos", mas a instituição voltou atrás na decisão após a Câmara da cidade aprovar por unanimidade um requerimento que obrigava a Fundart a ceder um teatro para a apresentação de Zé Celso.

Outras instituições também saíram em defesa do artista retirando apoios e participações na semana.

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