Dinheiro da Rouanet se concentra no Sudeste apesar de promessas do governo

OUTRO LADO: Ministério da Cultura diz que dialoga com empresas e que lançará editais para descentralizar recursos

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São Paulo

O dinheiro captado via Lei Rouanet continua concentrado no Sudeste apesar das promessas do governo Lula de descentralizar os recursos da medida, o principal mecanismo de fomento da cultura no país.

Dados do Ministério da Cultura mostram que 68% dos R$ 383 milhões captados de janeiro ao dia 19 deste mês estão no Sudeste e 22% no Sul. A região Nordeste vem logo depois (5%), seguida pelo Centro-Oeste (1%) e pelo Norte (1%).

A Ministra da Cultura, Margareth Menezes, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia de assinatura do decreto sobre as leis de fomento - Eduardo Anizelli/Folhapress

São Paulo, a cidade mais rica do país, é aquela que mais captou recursos, abocanhando R$ 159 milhões – ou seja, 41% do total. Rio de Janeiro aparece em segundo lugar, com R$ 65 milhões.

A centralização do dinheiro no Sudeste é um problema crônico que a ministra Margareth Menezes afirmou que pretendia combater.

"A desigualdade regional e racial marca o nosso país. Os patrocinadores estão concentrados no Rio e em São Paulo. Quem tem sucesso na captação não costuma ter a minha cor", disse ela em março, quando assinou decreto que alterou a Rouanet.

Secretário de Fomento do MinC, Henilton Menezes diz que esse cenário persiste porque as maiores empresas do Brasil têm sede no Sul e no Sudeste. "Os quatro estados que mais concentram incentivos fiscais são exatamente Rio, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que são os principais centros econômicos do país."

Menezes diz que, para mudar isso, o governo pretende lançar editais para estimular a descentralização de recursos. O primeiro deles é uma parceria com a Vale, a maior patrocinadora da Rouanet, voltado para cinco favelas da Bahia, Ceará, Maranhão, Pará e Goiás. A expectativa é que sejam aportados R$ 5 milhões para projetos dessas regiões.

O governo não podia criar editais com o incentivo fiscal da Rouanet, o que mudou com o decreto que alterou o mecanismo de fomento.

"O incentivo fiscal era tratado até então como algo que a sociedade e as empresas poderiam resolver sozinhas. Mas, se não tiver interferência [do Estado], essas empresas não vão desconcentrar por espontânea vontade", diz Menezes, acrescentando que planeja dialogar com os 50 maiores patrocinadores da Rouanet para que eles descentralizem seus aportes de recursos.

Para a advogada e produtora cultural Patrícia Galvão, a centralização de recursos é reflexo da densidade demográfica no Sudeste. Por esse motivo, os proponentes e os principais patrocinadores tendem a se concentrar nessa região.

Além disso, ela atribui o problema à escassez de informação. "Acho importante divulgar o mecanismo com as empresas patrocinadoras que têm atuação no Nordeste, por exemplo. Isso pode fazer uma grande diferença."

A museóloga e captadora de recursos Daniele Torres faz coro a essa avaliação. Para ela, os patrocínios da Rouanet continuam centralizados por uma desigualdade regional no acesso à informação e à capacitação. Diante desse cenário, diz ela, o funcionamento do mecanismo de incentivo acaba gerando dúvidas, o que afasta eventuais proponentes.

"É um mecanismo complexo, mas a informação e a formação estão mais concentradas no Sudeste. Então, acho que um passo importante para resolver essa questão é a gente trabalhar a formação de produtores e gestores culturais", diz ela, que trabalha na área cultural há 26 anos.

Henilton Menezes, o secretário de Fomento, diz que começou a fazer encontros para mostrar como funciona o incentivo fiscal. A ideia, diz ele, é levar esses eventos para todos os estados do Brasil.

O governo Lula autorizou, nos seis primeiros meses de mandato, a captação de R$ 1,6 bilhão para projetos que querem obter recursos por meio da Lei Rouanet.

O valor é quatro vezes maior do que aquele autorizado no mesmo período do ano passado, quando Bolsonaro ainda estava na Presidência. À época, o governo permitiu que agentes culturais captassem R$ 421 milhões, segundo dados do Ministério da Cultura.

No entanto, os artistas não tiveram acesso à totalidade desses recursos. Isso porque eles precisam conseguir investimentos de patrocinadores, que nem sempre estão dispostos a pagar o valor integral.

Ou seja, mesmo que o Ministério da Cultura autorize a captação de determinado valor, o dinheiro não necessariamente chegará todo na conta dos proponentes.

No primeiro semestre deste ano, do R$ 1,6 bilhão autorizado, R$ 366 milhões foram efetivamente captados. O valor é 36% maior do que o que foi captado no mesmo período do ano passado, quando os artistas conseguiram R$ 269 milhões.

Entenda como a Lei Rouanet funciona

Sancionada em 1991, a Lei Rouanet permite que artistas possam captar recursos com empresas e pessoas físicas que estejam dispostas a patrocinar projetos culturais.

Em contrapartida, o valor direcionado à cultura é abatido totalmente ou parcialmente do imposto de renda do patrocinador, num mecanismo conhecido como renúncia fiscal.

Ou seja, os recursos que seriam pagos ao Estado por meio de impostos são direcionados para estimular a atividade cultural, setor que empregava em 2020 quase 5 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.

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