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Artes Cênicas

Jorge Mautner: Zé Celso defendeu gays e promoveu união de teatro e música

Peças dele, que era vanguarda e conhecia os clássicos, sempre atraíram o melhor da juventude e da não-juventude inteligente

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Jorge Mautner

Cantor e compositor

Zé Celso era muito meu amigo. Quando nos conhecemos, nos uníamos em torno do interesse no anarquismo. Daí se desenvolveu uma ligação com a esquerda marcada pelo existencialismo, mas sempre com arte. Nunca era só política. Havia sempre arte. Ele era uma pessoa muito séria e era uma amizade verdadeira que tínhamos.

Zé Celso, do Teatro Oficina
Zé Celso, do Teatro Oficina - Karime Xavier/Folhapress

O Teatro Oficina era um lugar de muitos debates. Era um fervor. Ele gostava muito do Kaos e discutíamos as linhas do socialismo —a cubana, a soviética, ou se deveria ser outra coisa.

Zé Celso pensava a introdução do existencialismo na política. Ele trabalhou muito tempo com minha grande amiga Dulce Maia, que foi barbaramente torturada pelos militares. Durante a ditadura, o Teatro Oficina era o contrário do regime. Era uma revolução pacífica comunista-existencialista em marcha.

O pessoal do teatro tinha Gianfrancesco Guarnieri, que era uma coisa mais stalinista, mas Zé Celso não. Era uma coisa mais livre e aberta. Ele era engajado com a esquerda, mas era muito mais libertário. Anarquistas também estavam em São Paulo naquela época. Essas discussões não paravam.

As peças aconteciam e depois se discutia os assuntos, com os espectadores convidados a participar. Havia uma semelhança muito grande do pensamento dele com o que eu pensava. A visão do Brasil de grande importância, com a cultura brasileira realçada como ninguém mais realçava. Realçávamos o candomblé e a umbanda. Isso tudo era nossa visão. Sempre discutimos o futuro e o que precisava ser feito.

Havia um entrelaçamento entre música popular e teatro. Era uma irmandade que trabalhava e se divertia desse jeito. São Paulo tem esse poder, e ele representa o melhor de São Paulo, a compreensão das migrações.

Com meu parceiro Nelson Jacobina, fiz vários shows no Oficina porque nosso amigo Zé Celso gostava muito de música, e da nossa música que falava do cotidiano e da revolução. Era um entusiasmo incrível. Sua visão sempre foi muito avançada.

Ele também fazia muita questão de incluir em sua política os direitos dos homossexuais e das diferentes orientações sexuais. Era um homem universal. Não havia mesquinharia nem nenhum interesse oculto nele. Era tudo às abertas. Até perigosamente, porque a censura pairava por lá e às vezes era preciso driblar. Era uma coisa arriscada, mas ele sempre foi firme na sua posição.

A importância dele se deve principalmente pelo incrível talento genial que tinha. Ele tinha uma filosofia que mantinha todas essas coisas vivas e acesas. As peças dele sempre atraíram o melhor da juventude e da não-juventude inteligente para participar. Ele era a vanguarda e conhecia também todos os clássicos e principalmente a cultura brasileira e dos povos indígenas. Representava um lugar de abertura sem igual.

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