Descrição de chapéu Obituário Tony Bennett (1926 - 2023)

Morre Tony Bennett, um dos maiores cantores da música americana, aos 96 anos

Autor de sucessos como 'I Left My Heart in San Francisco', convivia com o Alzheimer desde 2016, mas não parou de cantar

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O cantor Tony Bennett em Nova York, em maio de 1994

O cantor Tony Bennett em Nova York, em maio de 1994 Chester Higgins Jr./The New York Times

São Paulo

Tony Bennett, um dos maiores cantores e representantes da música americana, conhecido pela voz única e interpretações aconchegantes, morreu nesta sexta-feira (21) em Nova York, aos 96 anos. A informação foi confirmada por Sylvia Weiner, assessora do artista.

O cantor americano Tony Bennett em 2016 - Amy Lombard/The New York Times

O cantor descobriu que tinha a doença de Alzheimer em 2016. Ainda assim, seguiu cantando seus sucessos ao lado de artistas de gerações mais novas. Sua última apresentação ao vivo foi em agosto de 2021, quando apareceu com Lady Gaga no Radio City Music Hall. A dupla lançou dois discos.

Na esteira de astros como Louis Armstrong, Bing Crosby e Billie Holiday, Bennett despontou na indústria entre as décadas de 1950 e 1960, como um crooner de música pop tradicional com uma pegada jazzística. Ele seguiu os passos de Frank Sinatra, que foi seu amigo, mentor e, depois, admirador.

Em 1965, Sinatra chegou a dizer à revista Life que Bennett, em sua opinião, "era o melhor cantor no mercado". "Ele me anima quando o vejo cantar. Ele me emociona. É o cantor que consegue atravessar o que o compositor tem em mente, e provavelmente um pouco mais."

Ao longo de uma carreira de mais de 70 anos, Bennett foi um dos intérpretes mais importantes dessa música popular tradicional dos Estados Unidos —os standards. Foi, não apenas dentro de seu país, mas no mundo inteiro, um veículo de propagação desse cancioneiro americano —ao qual sempre foi fiel, sem se render a modismos.

Não a toa, a música mais conhecida em sua voz, "I Left My Heart in San Francisco", traz no título o nome de uma cidade americana. O sucesso dessa canção, aliás, frequentemente fez o público achar que ele havia nascido na Califórnia, mas ele sempre foi um nova-iorquino dos pés à cabeça.

"San Francisco" chegou ao grande público em 1962, em uma apresentação célebre no Carnegie Hall, em Nova York, que marcou possivelmente o auge da carreira de Bennett. Lançado em disco, o show coroou uma ascensão que vinha desde a década anterior, após sucessos como "Because of You" e "Rags to Riches", além do álbum "The Beat of My Heart", de 1957.

Bennett levou seus dois primeiros prêmios Grammy, por "San Francisco", em 1963, e o último, pelo álbum "Love for Sale", com Gaga, no ano passado. Foram 20 no total, incluindo, em 2001, um prêmio pelo conjunto da obra. A estimativa é que ele tenha vendido mais de 60 milhões de discos.

Apesar de ter visto sua popularidade diminuir ao longo dos anos 1970, com o avanço do rock, e passar por uma época de decadência, quando as dificuldades profissionais foram exacerbadas por um casamento fracassado e problemas com drogas, sua voz sobreviveu ao tempo.

Por não ter se atualizado, Bennett ficou fora de moda quando estava na casa dos 40 anos. Mas foi justamente a fidelidade aos standards que o mantiveram como uma espécie de cápsula do tempo, uma voz que mantinha intocadas as interpretações que marcaram a música pop americana do meio do século passado.

Em entrevista à revista Downbeat, em 2015, o cantor vangloriou os compositores que mais gravou. "Nenhum país deu tanta música boa ao mundo", disse. "Cole Porter, Irving Berlin, George Gershwin, Jerome Kern. Aquelas músicas nunca vão morrer."

Bennett deu vida a essas composições como ninguém, mas apesar de sua inegável técnica vocal apurada, o apelo de seu estilo de cantar nunca foi fácil de explicar. Ele costumava se definir como um "tenor que canta como um barítono".

As interpretações de Bennett eram sempre precisas, e sua voz tinha uma rouquidão charmosa, mas seu apelo vai além dessas características. Ele não tinha um vozeirão poderoso e nem uma sutileza exacerbada, mas conseguia incorporar esses e outros atributos no seu jeito de cantar.

É como se a interpretação de Bennett fosse equilibrada e habilidosa o suficiente para dar conta de todas as nuances das composições de pop e jazz a que ele dava vida. É difícil dizer se esse repertório arquitetou seu jeito de cantar ou se sua voz era naturalmente perfeita para ele.

De toda forma, Bennett tratou de manter vivo o cancioneiro que tanto amava e, nos anos 1990, quando já passava dos 60 anos de idade, passou a ser conhecido por novas gerações. Participou de programas como o "Late Night", de David Letterman, premiações como VMA, da MTV, e teve sua versão em desenho animado nos "Simpsons".

Sua edição do programa "Unplugged", acústico da MTV, gerou um álbum que o colocou de volta com relevância no mercado fonográfico. Pelo disco, ele ganhou dois prêmios no Grammy do ano seguinte, incluindo o de álbum do ano.

Neste século, Bennett voltou aos holofotes com os álbuns "Duets" e "Duets II", de 2006 e 2011. Na primeira parte, gravou com Celine Dion e Stevie Wonder. Na segunda, se juntou a nomes como Aretha Franklin e Amy Winehouse. Ele foi o último a trabalhar com a cantora britânica, que morreu em julho de 2011.

Foi também no "Duets II" que Bennett iniciou sua parceria com Lady Gaga, com a faixa "The Lady Is a Tramp". Três anos depois, em 2014, os dois lançaram o disco "Cheek to Cheek", que foi elogiado pela crítica e venceu dois prêmios Grammy. A dupla ressurgiu no álbum "Love For Sale", de 2021.

Tony Bennett em show no Newport Jazz Festival no Carnegie Hall em Nova York, em junho de 1976
Tony Bennett em show no Newport Jazz Festival no Carnegie Hall em Nova York, em junho de 1976 - D. Gorton/The New York Times

Uma personalidade amplamente conhecida nos Estados Unidos, Bennett também teve uma relação próxima com a política. Foi a vida inteira um democrata, apesar de nunca ter sido odiado pela direita americana.

A exceção foi quando defendeu abertamente a legalização das drogas, há cerca de dez anos. Na ocasião, logo após as mortes de Amy Winehouse e Whitney Houston, Bennett afirmou que a descriminalização iria "livrar dos gangsters que fazem as pessoas se esconder".

"Uma coisa que aprendi sobre os jovens é que quando você diz, 'Não faça isso', essa é a única coisa que eles vão querer fazer", disse o cantor, que sobreviveu ele próprio ao abuso de cocaína nos anos 1970. "Se for legalizado e todo mundo puder fazer isso, não há mais o desejo de fazer algo que ninguém pode fazer."

Em 1965, Bennett participou da marcha pelos direitos civis de Selma a Montgomery. Com os músicos Harry Belafonte, Sammy Davis Jr., se apresentou num comício.

Em 1996, se apresentou para Nelson Mandela, que na época era presidente da África do Sul. Além disso, o artista cantou na Casa Branca para John F. Kennedy e Bill Clinton, e no Palácio de Buckingham no 50º aniversário da Rainha Elizabeth 2ª.

Benett nasceu Anthony Dominick Benedetto, em agosto de 1926, no bairro de Long Island City, no Queens. O casamento dos seus pais, o italiano Giovanni, e a americana Anna Maria, que eram primos, foi arranjado.

Cantava desde pequeno. Seu primeiro professor de música conseguiu que ele se apresentasse ao lado do prefeito Fiorello La Guardia na inauguração da ponte Robert F. Kennedy Bridge, em Nova York, em 1936. Quando era adulto, também se tornou um pintor de paisagens e de retratos de músicos.

Ele até começou a estudar numa escola de arte, mas nunca se formou. Foi, então, trabalhar numa lavanderia e como operador de elevador. À noite, se arriscava em pequenos shows como garçom cantor.

Até que foi convocado para servir com o exército americano na Segunda Guerra Mundial. Ele era soldado da infantaria de combate durante o combate. Depois do fim da guerra, Benett foi levado para serviços paralelos, como de bibliotecário, e cantou com uma banda das Forças Armadas.

De volta à Nova York, em 1946, deu pontapé na sua carreira de músico. Se dedicou aos estudos do ofício e começou a cantar em boates.

Bennett foi contratado para lançar projetos na gravadora Columbia Records em 1950, estreando com o single "Boulevard of Broken Dreams". Seu primeiro grande sucesso surgiu no ano seguinte, com a canção "Because of You".

Em 1962, lançou "I Left My Heart in San Francisco", uma regravação da música homônima lançada por George Cory. A canção alcançou o 19º lugar na Billboard, principal parada americana.

Nos anos 1950, Bennett saiu em turnê pela primeira vez. Naquela época, ele casou com Patricia Beech, que o viu num show, mas o casamento acabou na década de 1960, sobrecarregado pela vida atribulada que o músico tinha na estrada. O casal teve dois filhos, hoje conhecidos como Danny e Dae.

Em 1955, Bennett lançou "Cloud 7", disco repleto de influências do jazz. A partir daí, o músico se entregou ao ritmo. Em "The Beat of My Heart", de 1957, ele se uniu a jazzistas renomados, como Nat Adderley.

A ascensão do rock nas paradas nos anos 1960 abalou a carreira de Bennett, que vinha se irritando com intromissões da Columbia Records no seu repertório. Depois de lançar álbuns e singles que fracassaram nas paradas, Bennett decidiu sair da gravadora em 1971. Naquele mesmo ano, se casou com Sandra Grant, com quem teve duas filhas.

Foi quando ele lançou seu próprio selo fonográfico, a Improv Records, casa de alguns dos seus projetos mais elogiados. Mas, sem investimentos adequados, a gravadora faliu em 1977.

Desiludido, ele voltou à Nova York, se divorciou da sua segunda mulher, perdeu a mãe, e se viu lutando contra o vício em maconha e cocaína enquanto uma agência do governo americano ameaçava tomar a sua casa.

O músico só renasceu graças a seu filho Danny, que assumiu a gestão da carreira do pai em 1980 e o levou a vários programas de televisão. Na década seguinte, recuperou alguma popularidade e continuou produtivo até seus últimos anos de vida.

Em 2007, Bennett se casou pela terceira vez, desta vez com a professora Susan Crow. Ele deixa sua mulher, os filhos, Danny, Dae, Johanna e Antonia, e nove netos.

Nos últimos anos, Bennett já não se lembrava que tinha Alzheimer, disse Susan, sua mulher, à CBS News em 2021. "Ele me reconhece, ainda bem, e seus filhos. Nós somos abençoados de diversas formas. Ele é muito doce."

Na mesma entrevista, a médica do artista, Gaytari Devi, afirmou que ele lembrava bem da figura artística que era. Sua maior dificuldade, segundo ela, era manter relações com outras pessoas.

Para além da música, Bennett fez sua primeira participação no cinema em 1966, no longa "Confidências de Hollywood", interpretando um homem traído por um velho amigo. Embora ele não tenha seguido a carreira de ator, o músico ainda faria pontas em longas como "Máfia no Divã", com Robert De Niro, e "Todo Poderoso", com Jim Carrey.

Além de ter sua versão animada no seriado "Os Simpsons", quando tinha 64 anos, ele apareceu em "Entourage", quase 20 anos depois. Bennet apresentou na série da HBO uma de suas maiores canções, "The Good Life".

Com The New York Times

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