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Filmes LGBTQIA+

'Nimona' dribla clichês de contos de fada com narrativa queer e punk

Animação não esconde relação gay e transexualidade após luta para sair do papel em polêmica envolvendo a Disney

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São Paulo

Nimona

  • Onde Netflix
  • Classificação 10 anos
  • Autoria ND Stevenson
  • Elenco Chloë Grace Moretz, Riz Ahmed
  • Direção Troy Quane e Nick Bruno

Era uma vez um reino que vivia em paz, até que um monstro passou a ameaçar a vida de todos. A premissa parece pouco inovadora, mas se engana quem espera mais uma animação envolvendo feudos, donzelas indefesas e cavaleiros valentes.

Cena da animação 'Nimona', da Netflix
Cena da animação 'Nimona', da Netflix - Divulgação

"Nimona", que estreou na Netflix neste final de semana, mostra que irá escapar do clichê dos contos de fadas no momento em que elege uma mulher para derrotar a força maligna, logo nos primeiros minutos do longa-metragem.

Gloreth, esbelta e vestida em armadura, brada contra o monstro desconhecido "volte para as sombras de onde veio" e, empunhando sua espada, o derrota para se tornar um mito. A heroína vira sinônimo de um suposto passado em comum, reverenciada por gerações.

Apesar de economizar nos detalhes de alguns panoramas, a animação 3D cativa pelos traços pouco usuais e suas cores vibrantes. A trama tem início mil anos após o triunfo de Gloreth sobre as forças das trevas.

O vilarejo tornou-se uma espécie de feudo hiper tecnológico, beirando ao cyberpunk, envolvido por uma imensa muralha que, junto aos cavaleiros reais herdeiros da honra de Glorith, tem a função de proteger a sociedade de criaturas malignas.

Ballister Boldheart se prepara para ser condecorado como cavaleiro pela rainha, evento que causa rebuliço. O motivo é que ele será o primeiro plebeu a receber o título, reservado apenas aos descendentes da nobreza. Muitos temem o início de uma nova era, em que qualquer um poderá ser cavaleiro.

Enquanto crianças que parecem ter a mesma origem que Ballister o observam com admiração, outros temem que a quebra da tradição colocará em xeque a segurança do feudo.

Frequentemente discriminado por não ter sangue azul, o único que parece respeitá-lo é Ambrosius, seu namorado e queridinho entre os guerreiros por ser descendente direto de Gloreth.

Mas a festa não dura muito. No momento em que a rainha toma a espada de Ballister para condecorá-lo, a bainha da arma dispara um laser que a mata. O cavaleiro, inocente, é preso e acusado de homicídio.

É então que Nimona é apresentada ao espectador. Ela invade a cela de Ballister e se oferece para ajudá-lo a fugir e a se vingar. O que parece a busca por ação se revela, mais tarde, no desejo de não estar só.

Nimona é um metamorfo. Pode se transformar no que quiser, desde uma baleia até um garotinho. Apesar de assumir a forma de uma garota, ela responde a Ballister que é apenas Nimona, quando questionada sobre sua definição.

Com um gosto peculiar pelo mórbido, Nimona é um anti-herói do bem que concentra o humor da trama em comentários ácidos e piadas irônicas.

O gosto pela violência e seu ódio pelo sistema —motivo de conflito com Ballister, que tem esperança de melhorá-lo depois que se provar inocente— é fruto da opressão que sofreu por ser diferente.

Sua história acaba por ser uma alegoria da vivência de uma pessoa trans, desde a felicidade do acolhimento até a dor da discriminação.

Quando Ballister questiona o que aconteceria se ela tentasse se conter para ser aceita pela sociedade, ela prontamente responde "eu não morro, mas com certeza não vivo".

"Nimona" passou por maus bocados antes de sair do papel. A animação ficou na mão da Disney em 2021, que comprou o estúdio Blue Sky, mas decidiu anular as gravações. Cerca de 450 pessoas envolvidas no projeto foram demitidas na época, como afirmou ND Stevenson, criador da HQ que serviu de inspiração ao filme.

Ele afirmou que "Nimona" o ajudou a explorar a própria identidade. O criador, que se identifica como transmasculino não binário, foi o responsável também pelo remake de She-ra para a Netflix.

A série deu uma nova cara à heroína dos anos 1980, em uma trama com debates sobre colonização, superação de traumas de infância e um romance entre a protagonista e Catra.

Com Nimona ND, usa uma fórmula parecida —a humanização do inimigo. Apesar de vilã em grande parte da trama, é fácil empatizar com Catra conforme seu histórico vem à tona. O mesmo acontece com o metamorfo, declarado inimigo do sistema por ameaçar o modo de vida do feudo.

Enquanto em "She-ra e as Princesas do Poder" o romance só é evidenciado com um beijo no último episódio, "Nimona" escancara a temática LGBQIA+ desde o primeiro momento, nas cenas entre Ballister e Ambrosius, para depois seguir até o fim com o enfrentamento de Nimona às normas impostas pelo reino.

"Depois que te veem como vilão, não importa o quanto você tente, só conseguem te ver de um jeito", afirma Nimona ao companheiro, na tentativa de convencê-lo de que, mesmo que ele prove sua inocência, o sistema já estava corrompido em sua essência ao decidir, arbitrariamente, o que é ou não mostruoso.

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