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Mika Lins

Mika Lins: Zé Celso encarnou a luta contra a precariedade do teatro

Dramaturgo nunca viveu de forma burguesa e era exigente com atores, mas os dirigia com sofisticação e abraçava a juventude

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Mika Lins

Atriz e diretora de teatro

A morte de Zé Celso, o mais inventivo, histórico e genial diretor e artista do nosso teatro, me causa uma tristeza profunda. Morre o mais criativo, original e jovem artista do teatro brasileiro, moderno com seus 86 anos. Zé era visionário, descobria talentos que surgiam na música, nas artes plásticas e os trazia para o seu teatro.

Sem medo de inovações tecnológicas, no ano 2000, fez uma transmissão ao vivo de "Cacilda!" via internet discada, coisa que só viemos fazer agora, obrigados pela pandemia da Covid-19. Assim, ele abarcava a juventude sem nenhum medo. A vida e o teatro estavam ali, juntos o tempo todo.

Zé Celso, criador do Teatro Oficina, em ensaio para a revista Serafina, da Folha, em outubro de 2016
Zé Celso, criador do Teatro Oficina, em ensaio para a revista Serafina, da Folha, em outubro de 2016 - Daniel Klajmic

Era um homem ligado e colado no seu tempo. Uma peça criada por Zé tinha música, vídeo, internet, artes plásticas, política, crítica aos costumes, cinema, projeção, poesia, magia. Tudo. Fazer parte de um espetáculo seu foi reafirmar e reaprender que nada do que se coloca em cena é gratuito ou sem referência.

Nos ensaios de "Cacilda!", que atravessavam noites e em que eu fazia uma participação como Cleyde Yáconis, pude presenciar embasbacada Zé dirigindo Bete Coelho e Marcelo Drummond em uma cena que evocava "Esperando Godot". Foi o momento mais sublime de teatro que já assisti. Quanto conhecimento e rigor técnico.

Nos meses em que tive o privilégio de estar no Teatro Oficina, testemunhei a exigência de Zé na direção dos atores, além da alegria, sofisticação e liberdade com as quais criava seu espetáculo. Isso sem contar sua riqueza cultural e intelectual.

Foi impressionante e triste perceber também a luta para conseguir sustentar materialmente e manter o Oficina. É pesaroso constatar a precariedade material a qual o teatro e seus artistas são submetidos.

Zé nunca viveu de maneira burguesa. Vivia o que pregava. Lutou para reconstruir o Oficina depois de um incêndio que o destruiu nos anos 1960, foi exilado durante a ditadura militar e, ao voltar, batalhou muito para construção do Oficina com projeto de Lina Bo Bardi que conhecemos hoje.

Nunca teve grandes verbas para fazer seus espetáculos e remunerar bem sua companhia. Tudo sempre foi feito com muita dificuldade. À custa de esforço, abnegação e saúde. Desde batalhar patrocínios para montagens, que nunca foram muitos, até proteger o entorno de um teatro tombado da especulação imobiliária. Muito duro, muito difícil e muito injusto.

O teatro brasileiro vive e sobrevive de maneira precária. Zé Celso foi um gênio, um gigante que, ao lado de Marcelo Drummond, e sua companhia nos presenteou com o mais sublime que essa arte milenar pode proporcionar. Que o Oficina possa prosseguir com aporte financeiro para continuar criando o melhor do teatro que Zé Celso nos deixou. Obrigada, Zé. Evoé.

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