Caetano Veloso afirma que 'Transa' tem 'inglês troncho, mas metalinguístico'

Tropicalista conta como fez o célebre álbum, revisitado em show no Rio de Janeiro, durante seu exílio em Londres em 1971

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São Paulo

Caetano Veloso disse que fez as canções de "Transa", seu célebre álbum de 1972, num "inglês troncho, mas que eu via como metalinguístico". Ele escreveu um texto à Folha contando sobre o período em que criou e gravou o disco, revisitado em show no festival Doce Maravilha, no Rio de Janeiro, este fim de semana.

Imagem feita pelo fotógrafo Pedro Paulo Koellreutter, entre novembro e dezembro de 1971, que mostra Caetano Veloso em Londres durante a época de 'Transa'
Imagem feita pelo fotógrafo Pedro Paulo Koellreutter, entre novembro e dezembro de 1971, que mostra Caetano Veloso em Londres durante a época de 'Transa' - Pedro Paulo Koellreutter

Ele fala sobre o período de tristeza que viveu em Londres, onde morou após sair do Brasil de maneira forçada pela ditadura militar. Em "Transa", Caetano conta como chamou amigos para tocar com ele e começou a ver beleza na cidade europeia.

O tropicalista ainda reflete sobre como o disco, com letras em inglês, sequer foi lançado na Inglaterra ou nos Estados Unidos. Ainda assim, a obra é amada pelos brasileiros. "Tudo isso me intriga", ele diz.

Leia abaixo a íntegra do texto:

Eu não conseguia gostar nada de estar fora do Brasil. Depois de fazer o primeiro disco lá (o que tem meu nome como título e "London, London" como canção marcante), decidi chamar meus amigos e grandes músicos Jards Macalé, Tutty Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Souza. Tutty e Áureo já estavam em Londres. Macau e Moacyr, no Brasil. Ambos foram. Começamos a ensaiar numa igreja que ficava perto de minha casa no norte da cidade. Depois fomos para um espaço de ensaios num bairro mais animado. As canções me saíam com facilidade. Eu estava me sentindo quase fluente em inglês. E aprendi a gostar fisicamente de coisas para as quais nem dava atenção antes: os gramados dos parques, os bancos de madeira que havia em todos eles, a graça das ruas curvas, chamadas "crescents", os táxis confortáveis. Fiz as canções num inglês troncho, mas que eu via como metalinguístico. O produtor Ralph Mace (que tinha recusado "Lost in the Paradise" e "Empty Boat") achou as canções novas que fiz (ouvindo conselhos dele e de meu amigo americano David Linger, para corrigir defeitos gramaticais ou outros) boas. Ele já tinha aprovado "London, London", "Maria Bethânia" e outras que gravei no primeiro disco inglês. Mas achou as novas mais fluidas. Fiz chamados emocionados ao Brasil, roubando trechos de canções de Edu Lobo, de Vinícius, de Baden, de Zé do Norte, do folclore nacional... E, mal completei o LP, soube, através da sobrenaturalidade de João Gilberto, que poderia voltar à minha terra. Vim logo. E deixei pra trás quaisquer planos que Mace tivesse para o disco ou para mim. O disco nunca foi lançado na Inglaterra (ou, que eu saiba, em nenhum outro lugar que não o Brasil) mas os brasileiros parecem adorá-lo. Eu gosto. Foi tudo gravado ostensivamente sem clic. Macalé construiu com a banda os arranjos que eu sugeria. Eu me sentia bem. Mas acho gozadas minha linguagem e minha pronúncia. Quando gravei "A Foreign Sound", décadas depois, o site Pitchfork elogiou tudo (menos a gravação da música de Dylan, da qual tirei o título do álbum). Mas Transa nunca teve sequer sua existência registrada no mundo anglófono. Não que eu saiba. Tudo isso me interessa e me intriga. Acho óbvio que aglófonos não liguem pra esse disco, embora alguns liguem um pouco pra mim. E me comove que brasileiros o cultuem. Algo me é sugerido aí. O que será?

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