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Luísa Sonza brilha em 'Escândalo Íntimo' ao evitar ser conceitual

Artista ganha fôlego em canções que orbitam entre melancolia e esperança, mas estrutura é maior do que a música que ela canta

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Escândalo Íntimo

Num vídeo de 2016 publicado em seu canal do YouTube, Luísa Sonza canta e toca no violão a música "Blackbird", dos Beatles. Em seu quarto, sozinha, sob a luz branca, ela mostra ser tão fã do quarteto de Liverpool quanto talentosa. A jovem não só é afinada como faz nas cordas o truque específico desta faixa —um dedilhar constante na nota sol que faz tudo fluir, como um pássaro voando.

Anos se passaram, e Sonza surge hoje em clipes, colaborações e palcos bem distantes de seu pequeno quarto no interior do Rio Grande do Sul. Seus números são incontestes —10 milhões de ouvintes mensais no Spotify e 30 milhões de seguidores no Instagram, com fãs apaixonados. Depois de sua estreia em 2019 com o álbum "Pandora" e sua confirmação em 2021 com "Doce 22", o terceiro disco seria seu juízo final no pop brasileiro.

Capa do novo disco de Luísa Sonza
Capa do novo disco de Luísa Sonza - Luísa Sonza no Instagram

E, se há juízo aqui, é de que "Escândalo Íntimo" acerta quando erra. Ao servir a Sonza como espaço de livre criação, o disco entrega faixas com tino para palcos grandes e belas canções. Ganha a Sonza que dança, canta e escreve sobre sexo e amor. Quando Sonza se arvora no tal conceito que seria seu alvo, porém, o álbum não passa de uma pretensa colcha de retalhos e de um quebra-cabeça com manual de instruções.

O disco é calcado nos últimos anos de Sonza na sedenta ágora das redes sociais, que coroa estrelas na mesma medida que as cancela. São quatro blocos —paixão, amor, decepção e superação. Se cairmos no esquema calculadamente divulgado por Sonza e sua equipe, o álbum brilha na melancolia e na esperança.

Em "Penhasco2", gravada com Demi Lovato, Sonza faz um pop épico e denso. É algo incomum no Brasil, onde esse campo é da música festiva, e a canção tem destaque mesmo quando a americana canta a palavra "saudade" de maneira estridente, bem aos moldes dos programas de calouros de seu país de origem.

Em "Outra Vez", também amarga, Sonza faz um sedoso e onírico pop sertanejo, como se estivesse num lugar pouco desbravado entre Marília Mendonça e Tame Impala.

Essa verve também é explorada em "Iguaria", tão dedicada ao atual namorado de Sonza quanto sua suíte —a faixa "Chico", obviamente.

É na canção a seguir, contudo, que a cantora se destaca novamente. Com um acordeão sibilante que retoma as tradições dos pampas, de milongas e vaneiras, "Onde É que Deu Errado?" é um bolero moderno em que ela explora texturas aveludadas de sua voz.

Muito se fala nas redes sobre sobre uma dita banalidade do sexo nas letras de Sonza. Seria um artifício pueril do arco comum no pop —a garota tímida e temente que se transforma em femme fatale.

Pois, no novo disco, Sonza mostra que sexo é caro a ela, mas não é lugar-comum. Cabem ali a lascívia do blues "Surreal", a sensualidade de "Campos de Morango" —single inspirado nos Beatles— e o despudor de "A Dona Aranha".

Essa faixa consegue encapsular boa parte do trabalho da equipe da artista, uma seleção premiada com tudo que o dinheiro de grandes gravadoras pode pagar. Os acordes de teclado de Tommy Brown são próximos dos de "Thank U, Next", que ele fez para Ariana Grande. Também estão ali melodia e linhas de Carol Biazin e Douglas Moda, parceiros de Sonza de longa data que dão liga ao disco mesmo na diversidade de sons.

Ouvidas separadamente, as faixas de "Escândalo Íntimo" não dão galho. É um álbum inteiro, porém, e nesse caso não se separa a obra do todo. Aliás, é o todo que Sonza vem frisando em suas redes sociais há meses —com pistas que parecem dar ar mais lúdico a obra. De fato, a existência dessa clarividência já põe o disco em xeque. No conceitual de Sonza, a insistência pela explicação supera a própria música.

A ideia de discos conceituais nasce por volta dos anos 1960, época em que álbuns se tornaram a principal plataforma de promoção para artistas da música. É difícil imaginar os Beatles, de quem Sonza é fã, entrando na roda das gravadoras para vender um conceito antes de vender música.

Se analisarmos contemporâneos da música pop, em quem Sonza deve ter se inspirado, há álbuns que lidam bem com a ideia de conceitualidade. É o caso de "Renaissance", de Beyoncé, e "Motomami", feito por Rosalía.

Esse não é o caso de "Escândalo Íntimo". Sonza pode insistir que o conceito de seu disco vem de seu tom autobiográfico. Ora, para artistas de seu porte, que recebem investimento na mesma medida em que demonstram talento para fazer pop, não existe obra que não seja ao menos atravessada por autobiografia. Até mesmo a carioquice cosmopolita de Anitta em "Kisses" é a história viva da cantora.

Algumas faixas do disco ainda serão lançadas, em mais uma etapa desse joguinho disfarçado de conceito. As parcerias com o rapper KayBlack e as sertanejas Maiara e Maraísa podem até dar mais força, mas não se pode esperar que o disco alcance seu devir conceitual. Às vezes, menos é mais. É só música, sem cartilha nem manual de instruções.

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