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'Filhos da Esperança' discute filosofia do fim do mundo sem avançar

Livro da autora britânica P.D. James, que virou filme de Alfonso Cuarón, oferece uma visão limitada de um planeta em colapso

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Daiana de Souza

Mestre em história, é professora e escritora

Filhos da Esperança

  • Preço R$ 89,90 (368 págs.)
  • Autoria P.D. James
  • Editora Aleph
  • Tradução Aline Storto Pereira

Imagine um mundo em colapso. Um mundo no qual idosos cometem suicídio numa cerimônia chamada Termo, financiada pelo Estado com apoio das famílias; com países mergulhados no caos, tornando a Inglaterra um dos poucos lugares estáveis; e que, nos últimos 25 anos, não viu nascer nenhuma criança.

Essa é a narrativa criada pela britânica P. D. James em "Filhos da Esperança", traduzido neste ano por Aline Storto Pereira para a editora Aleph, numa edição caprichada.

Cena do filme "Filhos da Esperança"
Cena do filme 'Filhos da Esperança', de 2006 - Divulgação

A história foi publicada em 1992 e adaptada para o cinema por Alfonso Cuarón em 2006. Phyllis Dorothy James foi uma renomada escritora de ficção científica, thrillers e mistérios, sempre tendo o Reino Unido como cenário para suas tramas.

"Filhos da Esperança" reflete sobre morte, democracia, religião, ciência —e do que a humanidade é capaz sem a certeza da continuidade. A vida faz sentido quando se sabe que não haverá mais ser humano andando sobre a Terra? As crianças passariam a ser olhadas com reverência quando se sabe que serão as últimas?

Há questionamentos filosóficos primordiais na narrativa, mas eles têm pouco espaço para desenvolvimento.

Os primeiros cinco capítulos trazem a visão de Theo Faron, por meio dos textos de seus diários. É um homem apático, monótono e arrogante, um historiador que registra sua vida, mesmo sem haver ninguém no futuro para analisar essas memórias.

O livro traz a situação dos refugiados, mas de forma limitada. Conta que apenas na Inglaterra restou alguma estrutura estatal, mesmo que despótica, mas quando o protagonista viaja, não se vê nenhuma perspectiva de outros países.

A morte acidental da filha de Theo, ainda criança e causada por ele, assim como seu divórcio e relacionamento com o administrador da Inglaterra, seu primo Xan, têm peso bem maior na narrativa, o que acaba por prejudicar o entendimento do leitor do caos desse mundo.

A ausência da família real em toda a história, mesmo sabendo que ainda há nobreza e seus privilégios, deixa tudo um pouco inverossímil. Assim como a revolta daqueles conhecidos como Cinco Peixes, provocada por ideias inocentes sem nenhum plano concreto do que fazer, mesmo quando a grande reviravolta acontece, já para o último terço do livro.

Os Ômegas, os últimos nascidos no universo do livro, no ano de 1995, são mimados e não se preocupam em buscar soluções para os problemas de seu tempo. Mas essa é a visão de Theo, um Alfa. A leitura não oferece nenhum momento de aproximação à vivência desta que é a última geração humana pela sua própria voz.

A narrativa de James sai da lenta divagação de seu protagonista para uma corrida frenética em busca de refúgio para ele e sua amada. É o momento em que a conjuntura e o pessoal se equilibram um pouco mais, mesmo com as resoluções sendo em grande parte construídas pelos amores, traições e covardias dos personagens próximos a Theo.

Talvez seja essa a grande questão que a autora traz. Mesmo em momentos em que a humanidade está em risco, será a individualidade que norteará os grandes atos.

O livro convida os leitores a continuarem a leitura na Órbita por meio de um código QR. Essa experiência permite uma continuidade interessante para o leitor, que cada vez mais busca uma jornada coletiva, que não se encerre na última página.

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