Precisamos seguir menos métricas e mais sonhos, diz Christian Dunker

Psicanalista fala sobre crise do capitalismo ao lado de Eduardo Giannetti no Fronteiras do Pensamento

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São Paulo

"Hoje, o Brasil é o primeiro colocado quando falamos em ansiedade, e o terceiro em depressão", disse o psicanalista Christian Dunker, em sua apresentação no Fronteiras do Pensamento, nesta quinta-feira (31).

Christian Dunker é professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Christian Dunker é professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - Reprodução/Instagram

Os dados, que há tempos assombram o cotidiano dos brasileiros, é um fenômeno ligado às parcas condições econômicas e ambientais de um sistema em crise, completou o economista Eduardo Giannetti, que se apresentou em seguida, na mesma noite.

Segundo Dunker, um levantamento sobre saúde mental no país do qual ele participou apontou o desemprego como elemento condutor de casos de ansiedade e depressão. "Nossos adolescentes, universitários e pós-graduandos também estão em estado crítico de sofrimento que, quando mal tratado, evolui facilmente para doenças", disse.

Uma das causas desse sofrimento em massa é que, no mundo capitalista hiperglobalizado, o direito de desejar é negado constantemente. "O desejo não é vontade, mas foi tematizado por Freud como sonhos, uma voz interna em que você não se reconhece. Dúvidas, angústias e incompletudes. Portanto, é sempre um enigma."

"Nossa era traduziu nossos desejos em metas, métricas, objetivos e resultados que temos que planejar para o próximo semestre ou ano", argumentou. "O empacotamento do desejo é compatível com um mundo sem futuro de verdade."

Por isso, apesar da iminência dos desastres climáticos causados pelo sistema econômico atual, ainda é mais fácil "imaginarmos o fim do mundo por desastres do que imaginar o que fazer em relação a isso", diagnosticou o escritor britânico Mark Fisher, citado por Dunker.

O ser humano tem uma propensão a não gostar da indeterminação —ela interrompe casamentos, leva entes queridos ou gera demissões. Por isso, temos a tendência a buscar ordem e planejamento, hoje apropriadas pelo mercado. "Essa entidade, o mercado, fala de que futuros que conseguimos conceber, enquanto contabiliza e precifica o futuro".

"Durante 50 anos produzimos a cultura de como reduzir o grau de indeterminação na saúde: fazemos academia, check-ups médicos e comemos menos sal. Mas alguém já disse: cuide da sua alma? Que se você não olhar para os seus sonhos, e não metas, que incluem limites, angústias e incompletudes, você não estará cuidando de si", disse o psicanalista.

E, na realidade que impede os sonhos, a economia é peça chave, completou o economista Eduardo Giannetti. Para ele, é urgente que sejam tomadas medidas para frear o enriquecimento dos poucos mais ricos do planeta.

"A desigualdade nunca foi tão grande devido a financeirização da atividade econômica. De 80 anos para cá, a riqueza social é acumulada pela multiplicação dos papéis que a representam", argumentou, referindo-se ao mercado de ações.

"Precisamos rever esse sistema, porque ele está causando distorções de valores. Quem têm se torna muito poderoso, quem não tem fantasia nessa riqueza sua realização", disse Giannetti. Ele também citou a urgência de alterar a precificação da indústria, incluindo o componente do custo ambiental, que deveria ser pago por empresas que produzem atividades que, de alguma forma, gastam recursos naturais ou emitem mais gases na atmosfera.

Isso porque, além da proliferação de eventos climáticos extremos, a crise ecológica estaria se tornando também psíquica. "Existe uma correlação entre devastar o ambiente externo com a devastação do ambiente interno, psíquico", disse. "Essa sociedade que surgiu com o iluminismo na Europa agride a natureza interna do ser humano com a mesma agressividade com que agride o meio ambiente."

Como exemplo, ele citou dados que mostram que, em países de alta renda per capita, 1 em cada 5 pessoas em atividade de trabalho sofre com algum distúrbio mental, sendo 25% deles considerados graves —como quadros de esquizofrenia e bipolaridade.

"Precisamos de uma cultura mais pautada nas relações humanas e nos vínculos de afeto. A igualdade de resultados oprime, enquanto a igualdade de oportunidades liberta", concluiu o economista.

O ciclo Fronteiras do Pensamento já teve conferências com a Nobel da Paz, Nádia Murad e Michael Sandel, filósofo americano, e ainda terá encontros com Douglas Rushkoff e David Wengrow.

FRONTEIRAS DO PENSAMENTO - 17ª TEMPORADA

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