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Falácia da meritocracia reforça polarização política, diz filósofo Michael Sandel

No Fronteiras do Pensamento, professor de Harvard reflete sobre o vazio dos discursos públicos

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São Paulo

Mesmo que todos os problemas estruturais de nossa sociedade fossem sanados e todo cidadão tivesse acesso às mesmas oportunidades, a meritocracia falharia.

É com base nessa provocação que Michael Sandel, professor de filosofia política de Harvard, conduziu sua palestra no Fronteiras do Pensamento, nesta segunda-feira (7).

O filosofo Michael Sandel - Fabio Braga/Folhapress

Sandel acaba de lançar "O Descontentamento da Democracia", no Brasil —seu "Justiça: O que É Fazer a Coisa Certa", de 2011, foi sucesso imediato mundo afora. Na obra, Sandel aplica a filosofia a questões centrais do debate público —como aborto e casamento homossexual— para discutir a moral e a política.

As mazelas da meritocracia foram exploradas pelo filósofo em "Tirania do Mérito: O que Aconteceu com o Bem Comum?", de 2020. Segundo ele, o princípio do mérito, em nossas sociedades injustas, é o grande responsável pelo risco em que encontram as democracias liberais.

Sandel relembrou o momento de polarização política vivido pelas sociedades ao redor do mundo, em especial nos Estados Unidos. "A frustração politica está relacionada ao vazio dos discursos públicos, falas tecnocráticas que não inspiram", disse.

Este vazio, segundo ele, seria consequência da fé intensa na autorregulação do mercado, amplamente difundida nos países capitalistas nas últimas décadas — em especial Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher na Inglaterra.

A defesa de que os mecanismos de mercado são as principais ferramentas para alcançar o bem-estar comum somou-se a ideia de que a globalização guiada pelo mercado era um processo inevitável — comparada por políticos como Thatcher a uma força da natureza.

Bill Clinton, um democrata, também defendeu a inevitabilidade do livre capitalismo, assim como Tony Blair, que comparou a globalização às estações do ano.

"Questionamentos sobre quais sistemas econômicos podem ser bons ou ruins para sociedades melhores se tornam inúteis se a globalização de marcado é pensada como uma força da natureza", argumentou.

Os ganhos prometidos às populações que ficaram para trás durante o avanço do capitalismo nunca chegaram —ao contrário, cresceu a desigualdade mundial. "Quem está no topo acha que seu sucesso está ligado a mérito e quem ficou para trás acha que o fracasso é sua culpa", diz.

"Na ideologia da meritocracia, o sucesso depende da igualdade de oportunidades, mas o acesso em nossa sociedade não é igual", defendeu. Mas mesmo que fosse, a meritocracia também falharia.

Isso porque não temos controle, por exemplo, sobre nossos genes e nossos talentos. Num processo ainda sem explicação, algumas pessoas desempenham melhor algumas atividades.

"É preciso ter também a sorte de viver no tempo certo, em que a sociedade valoriza o que temos a oferecer", completou.

O discurso difundido por partidos de diferentes espectros políticos de que qualquer cidadão poderia ascender se frequentasse a universidade também contribuiu para a descrença política das pessoas.

"Por trás desse discurso, havia a mensagem de que se você não se esforçar para fazer uma universidade, você é um fracasso. Isso levou ao afastamento da classe trabalhadora".

A relação do trabalho digno com um diploma é perigosa, especialmente porque a maioria das pessoas não tem curso superior completo.

Para ele, "governar se tornou uma expertise tecnocrática", indo na contramão da ação politica dos gregos antigos, que identificavam como bom governante aquele que tinha interesse e conhecimento pela vida cívica.

A configuração política da sociedade moderna deixa, então, pouco espaço para "participações no debate do que é uma boa sociedade".

O problema se estende também aos produtos da sociedade ocidental, como as redes sociais. "O modelo de negócios que molda as redes sociais está nos afastando. O problema não é a tecnologia".

Para Sandel, é preciso retomar a autonomia da democracia e voltar a discutir, em conjunto, como seria uma sociedade melhor — e buscar frear as corporações que têm ditado as regras hoje.

O ciclo Fronteiras do Pensamento já teve, este ano a presença da ativista Nadia Murad e o neurocientista Rafael Yuste, e irá até outubro com palestras de Luc Ferry e Douglas Rushkoff.

Fronteiras do Pensamento - 17ª Temporada

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