'Busco uma plateia que saiba rir', diz Neil LaBute, autor teatral tachado de misógino

'The Money Shot', do dramaturgo americano, é encenada em São Paulo e discute a ambição com personagens desagradáveis

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Ubiratan Brasil
São Paulo

A cena é rápida, mas o desconforto é gigante. Jovem que aspira à carreira de atriz, Missy conta a Karen, estrela do cinema que não consegue mais emplacar um grande sucesso, seu temor de ter um filho adotivo: "Bebês negros são fofos e tudo mais, mas eu simplesmente não confio neles, quero dizer, temo pelo que fazem quando crescem".

Surpresa? Nem tanto quando se descobre que a cena tem a assinatura do dramaturgo e roteirista americano Neil LaBute, cujo dom para escrever diálogos cortantes e criar personagens espinhosos se traduz em uma franqueza verbal que incomoda o público. Esta faceta poderá ser vista na peça "The Money Shot", que estreia nesta terça-feira (24) no Teatro Vivo

Atores na peça 'The Money Shot', escrita por Neil LaBute
Fabiana Gugli, Lavínia Pannunzio, Jocasta Germano e Fernando Billi em cena da peça 'The Money Shot', escrita por Neil LaBute - Divulgação

A habilidade para narrar dramas sem reservas ou moralismo se revelou logo em sua estreia no cinema, em 1997, como diretor e roteirista de "Na Companhia dos Homens", cuja virulência masculina contra mulheres frágeis cravou-lhe a fama de misógino. Exemplo? "Nunca confie em alguém que pode sangrar durante uma semana e não morrer", diz um dos personagens.

A forma direta de sua escrita já lhe rendeu comentários pouco elogiosos —além de misógino, também chauvinista e moralista—, mas seus defensores garantem que LaBute traz em suas observações sobre os homens algo que outros autores contemporâneos ainda não trabalharam com autoridade: o senso de pecado.

"Drama é conflito, então, o que faço é colocar as pessoas em conflito umas com as outras de tantas maneiras interessantes quanto possível", diz LaBute, em entrevista à Folha. "Quero acreditar que não há limites para um escritor, que deve buscar apenas encontrar uma forma correta de abordar qualquer assunto que deseja."

Missy, interpretada por Jocasta Germano, e Karen —Fabiana Gugli— compõem o quarteto formado ainda por Bev —Lavínia Pannunzio— e Steve —Fernando Billi—, protagonistas de "The Money Shot". Trata-se da primeira comédia escrita por LaBute para o palco, texto que explora o humor ácido para criar uma reflexão sobre ambição, arte, status e sexo na indústria do entretenimento americana.

Steve e Karen são astros em decadência e, para reverter o declínio, aceitam participar de um filme dirigido por um famoso cineasta belga. A missão inclui um desafio: a cena de sexo que vão rodar no dia seguinte terá de ser, segundo determina o diretor, explícita. O termo "money shot" vem de filmes pornográficos e se refere à cena da ejaculação, considerada a mais importante nesse tipo de produção.

Mas, antes de consumar a relação que ganhará a eternidade digital, eles querem esclarecer isso com Bev, a namorada que mora com Karen, e Missy, a esposa muito mais jovem de Steve. E, seguindo à risca o manual dramatúrgico de LaBute, a reunião começa desagradável, torna-se ainda mais desagradável e finalmente segue para um confronto sem limites.

"É um encontro requintado, regado a muita bebida alcoólica, que faz com que a situação entre essas figuras vá se desenrolando de uma maneira cada vez mais feia. Queremos criar um contraste entre o refinamento e a feiura dessas personagens", comenta o diretor Eric Lenate, que também assina a arquitetura cênica da peça, com a reprodução da sala da luxuosa mansão de Karen. "É um espaço com bastante luxo e opulência, mas também certa cafonice", revela.

"Uso elementos de comédia em quase tudo que escrevo, mas esta peça em particular foi a única que tive a audácia de chamar de comédia, pois, durante todo o processo, minha mente estava decidida em torná-la engraçada, desde o título até a última página", afirma LaBute. "É preciso muita paciência para montar uma piada, ou uma brincadeira, para fazer o público rir."

Críticos entusiastas comparam sua obra à de Strindberg, Ibsen ou Albee em início de carreira. A maioria, no entanto, vê paralelos com David Mamet. O segredo está na carpintaria do texto.

"A prosa de LaBute é meticulosamente construída", atestou, certa vez, Monique Gardenberg, que dirigiu "Baque" em 2005, primeira montagem brasileira de um trabalho do dramaturgo. "Cada detalhe é cuidadosamente revelado no momento certo, como em uma equação matemática, e, quando o castelo está todo construído, LaBute o destrói sem piedade."

Em "The Money Shot", são quatro personagens que tagarelam o tempo todo, tentando discutir um assunto que sempre se perde. "Eles começam a fazer o desfile de egos e a situação fica cada vez mais esquisita, até chegar em um desenlace que vai deixar o público atônito", diz o diretor.

LaBute não acredita em fórmulas mágicas ou segredos do sucesso, apenas em um raciocínio que deve ser seguido à risca. "Busco uma plateia que saiba rir, que compreenda o que lhe é apresentado, que chegue a arfar, enfim, com a minha audácia e a dos personagens."

The Money Shot

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