Como a fotografia de guerra passou para as mãos de civis, das forças de Israel e do Hamas

Embora estejamos mais próximos da guerra do que nunca em nossas telas, também estamos distantes de compreendê-la

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Jason Farago
The New York Times

As imagens estão por toda parte: insuportáveis, imparáveis.

Quando a guerra chega hoje, ela traz consigo uma enxurrada de imagens, viajando mais rapidamente do que qualquer narrativa oficial. Closes angustiantes de execuções. Paisagens noturnas à distância dos céus riscados por foguetes. Imagens nítidas de crianças escalando uma mesquita explodida na cidade de Gaza. Memes de paraquedistas do Hamas ao som de música militar, provavelmente feitos por crianças a milhares de quilômetros do combate.

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A guerra entre Israel e Hamas, como muitas deste século, tem sido apresentada com imagens via streaming em smartphones ao redor do mundo. À esquerda, uma coluna de fumaça sobe em Ashkelon, Israel, em vídeo postado no Instagram; à direita, imagens mostram danos no bairro de Al-Rimal, na cidade de Gaza - @sultanovmr888, via Storyful (esq.); Mohammed Dahlan, via Storyful (dir.)

No choque dos últimos dias, enquanto Israel enfrentava seu pior ataque a civis em décadas e seu governo bombardeava a Faixa de Gaza em retaliação, vale a pena notar não apenas quantas imagens jorraram da região, mas quantos tipos diferentes de imagens. Já nos acostumamos com essa rapidez.

No século 20, os americanos viam a guerra pelos olhos de fotojornalistas profissionais e operadores de câmera. Tinham a narração dos âncoras das redes de televisão todas as noites e, mais tarde, nas notícias de 24 horas por cabo.

Hoje, são aqueles que lutam ou estão envolvidos nela que produzem as imagens mais rápido, à medida que soldados e civis filmam conflitos e distribuem seus atos de testemunho ou defesa.

(Militantes do Hamas subiram seus próprios vídeos da carnificina no Telegram e em outras redes sociais no último fim de semana; as forças de defesa de Israel produziram TikToks de seus próprios ataques a supostos "alvos do Hamas".)

Na Síria, na Ucrânia e agora em Israel e Gaza, a guerra no século 21 se tornou uma mangueira de imagens digitais —uma torrente perpétua de imagens trêmulas e pixelizadas, muitas vezes de amadores, frequentemente de origem incerta, que em nada se assemelha à guerra em alta resolução como espetáculo que os estudiosos da mídia previram durante a Guerra do Golfo Pérsico de 1991.

Em nossas pequenas telas, estamos agora mais próximos da guerra do que nunca. Estamos mais distantes do que nunca de compreendê-la.

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As forças de defesa de Israel produziram vídeos para o TikTok de seus ataques no que disseram ser alvos do Hamas - Israel Defense Forces, via TikTok

Câmeras têm documentado a guerra desde 1855, quando o fotógrafo britânico Roger Fenton viajou para os campos de batalha de Sebastopol, tendo convertido uma carruagem de vendedor de vinho em uma câmara escura puxada por cavalos.

Desde o seu início, o meio da fotografia tem estado envolvido em uma conversa com a morte. Como um índice fantasmagórico de um momento que veio e se foi —um registro, em luz, de um tempo que nunca voltará— por muito tempo foi considerado que a fotografia tinha uma relação intrínseca com a mortalidade.

E, mesmo quando aprendemos a ser céticos em relação à verdade da imagem da câmera, a fotografia de guerra —os marchadores enlameados de Frank Hurley nas trincheiras da Frente Ocidental, o soldado caindo de Robert Capa na Espanha— manteve uma força moral e influência cívica que vinha dessa relação assombrada pela morte entre a lente e o mundo que ela observava.

"A fotografia", escreveu Susan Sontag em 1977, "converte o mundo inteiro em um cemitério. Fotógrafos, conhecedores da beleza, são também —consciente ou inconscientemente— os anjos registradores da morte."

Mas esta semana tem sido um lembrete, tão horrível quanto um lembrete pode ser, de que as imagens digitais podem ter um valor de verdade muito diferente. As filmagens do celular do espectador, a GoPro no capacete do soldado, o vídeo do YouTube do terrorista, a postagem nas redes sociais do propagandista: essas imagens amadoras de baixa resolução não desfrutam da estabilidade da fotografia de guerra de antigamente.

Em vez de complementar e contextualizar informações do front, como a fotografia de guerra tradicional costumava fazer, essas imagens digitais atuam como informações em si mesmas. Elas participam de um novo mercado de imagens, onde os jornalistas profissionais competem com governos, atores não estatais, espectadores aterrorizados e simples malucos, e onde as imagens são comprimidas, suturadas, redesdobradas e redefinidas à medida que viajam pelas redes sem fio.

(Naturalmente, essas imagens também se tornaram vetores de desinformação, especialmente no esgoto antigamente conhecido como Twitter. Nesta semana, imagens supostamente retratando prédios destruídos em Israel propriamente dito eram, na verdade, de Gaza, e vice-versa; uma imagem viral que supostamente mostrava um helicóptero israelense abatido veio de um videogame.)

Durante a Primeira Guerra Mundial, um soldado que possuísse uma câmera poderia acabar sendo julgado em tribunal militar; hoje, na Ucrânia, as tropas são oficialmente encorajadas a postar vídeos e fotografias, acreditando que os benefícios para a moral superam os riscos de inteligência.

Durante a Guerra do Golfo, a CNN e outras novas redes de notícias 24 horas se integraram ao exército dos EUA; mais recentemente, na Síria, o grupo Estado Islâmico podia fazer o upload de sua própria contra-programação jihadista.

E, embora fotojornalistas de verdadeiro talento continuem a arriscar suas vidas para documentar nossas novas guerras no terreno, a expectativa da era do Vietnã de que imagens violentas poderiam mudar a opinião popular deu lugar à solidificação, à balcanização, ao ressentimento, à retaliação.

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Filmagem postada no Telegram pelo Hamas mostra um grupo de combatentes passando pelo checkpoint de Erez, na fronteira entre a Faixa de Gaza e Israel - Storyful

Em seu livro de 2021 "Screen Shots", a antropóloga da Universidade Duke, Rebecca L. Stein, detalha como várias partes do conflito Israel-Palestina têm usado a fotografia digital para documentar os territórios ocupados: o governo e o exército israelenses, a autoridade palestina e o Hamas, colonos judeus e nacionalistas, bem como organizações da sociedade civil.

Cada um desses grupos tinha o que Stein chama de "o sonho da câmera perfeita". Cada um acreditava que kits digitais baratos (ou sofisticados aparatos de vigilância) permitiriam que eles ultrapassassem a mídia em massa ou seus oponentes políticos, e finalmente entregassem a transparência que confirmaria sua própria visão do conflito.

Essa era uma esperança nascida dos primeiros dias do digital, quando muitos tecno-otimistas acreditavam que a documentação amadora poderia dissolver impasses políticos, revelar a verdade da guerra, até mesmo derrubar governos.

Mas a câmera digital perderia sua inocência nas guerras deste século. Até meados da década de 2010, quando muitos de nós desistimos da cronologia das transmissões de notícias para a distribuição algorítmica do feed social, as imagens digitais de guerra caíram na mesma armadilha que qualquer outra variedade de informação política: as imagens de que você gosta podem ser amplificadas, e as outras podem ser descartadas como notícias falsas.

"Todos esperavam", escreve Stein, "que essas novas câmeras pudessem testemunhar de forma mais verdadeira e, assim, produzir justiça como eles viam. A maioria ficaria desapontada." A própria estrutura da produção de imagens foi absorvida pelo conflito, e de fato as imagens mais gráficas de cadáveres que vimos esta semana —Israel disse que seu número de mortos havia chegado a 1.200, e autoridades de saúde de Gaza relataram que mais de 1.400 palestinos haviam sido mortos até agora— não são registros neutros.

São armas como outras armas, para um tempo em que a violência não está mais confinada aos campos de batalha.

O conflito em larga escala que está em curso em Israel e Gaza é uma guerra assimétrica, entre uma das forças armadas mais bem equipadas do mundo e um grupo militante apoiado pelo Irã. Bem, aprendemos nos últimos anos que a fotografia digital também é um meio assimétrico —onde uma transmissão ao vivo pode desencadear um protesto, uma testemunha com um telefone equipado com câmera pode superar uma transmissão profissional e nem mesmo a imagem mais clara é páreo para a ideologia.

A lição que estamos condenados a reaprender é que a fotografia, e especialmente a fotografia digital, não deriva seu significado apenas do que ela retrata; ela vem de como ela viaja, de como ela se transforma e de quem determina a trajetória. E há uma segunda e mais sombria lição: mesmo quando mostra a violência mais horrível, você não pode pedir a uma câmera que dê sentido a isso.

Esse texto foi originalmente publicado no The New York Times.

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