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Mulheres que usaram nudez contra a ditadura guiam exposição em São Paulo

Mostra reúne artistas da Nova Figuração, como Anna Maria Maiolino, Cybèle Varela e Regina Vater

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Maria do Carmo Secco, 'A Mulher que Chega', vinil e esmalte sintético sobre eucatex, obra de 1967 Divulgação/galeria Superfície

São Paulo

Uma gravura de Anna Maria Maiolino dos anos 1960 mostra uma caveira de uniforme militar, tipo um oficial do Exército desmoralizado, morto. Em frente a esta obra, em outro trabalho do mesmo período, a artista pintou seu marido e os dois filhos do casal, ornados com um coração de madeira no meio do quadro. É uma família de comercial de margarina, claro, mas há também ironia na imagem.

As duas obras sintetizam os temas trazidos pela exposição "Mulheres na Nova Figuração: Corpo e Posicionamento", em cartaz na galeria Superfície, em São Paulo, até 21 de outubro. De um lado, a crítica ácida à ditadura militar recém-instaurada no Brasil naquela década, e de outro as questões pessoais da vida de uma mulher, às voltas com a família mas também com sua independência, como se verá em outros trabalhos da mostra.

Anna Maria Maiolino, 'A Família', madeira e acrílica sobre eucatex, 1966 - Divulgação/galeria Superfície

Organizada por Camila Bechelany e Gustavo Nóbrega, a exposição reúne 30 obras —pinturas, gravuras, serigrafias, um objeto, uma instalação e um vídeo— de 16 artistas mulheres da escola conhecida como nova figuração, que abandonava o abstracionismo de meados do século 20 em prol de imagens facilmente reconhecíveis, de apelo imediato. Tudo sob a bênção da pop art americana, da qual o movimento pegou as cores chapadas e a liberdade de refletir sobre questões sociais.

A mostra reúne somente artistas mulheres que tiveram sua produção daqueles anos pouco vista, escanteada pelo trabalho dos homens, que acabaram entrando para o cânone como os maiores representantes da nova figuração —nomes como Rubens Gerchman, Claudio Tozzi e Antônio Dias. "A intenção é falar que essas mulheres estavam produzindo e pensando igual a estes caras", afirma Bechelany, curadora que pesquisa a representação feminina em coleções de arte.

Uma das obras centrais da exposição é "Totem de Interpretação", de Romanita Disconzi, um conjunto de blocos de madeira amarelos estampados com imagens como um coração, um sinal de proibido, uma bandeira do Brasil, uma cédula de dinheiro, um revólver, setas e um telefone. Mostrada na Tate Modern, em Londres, em 2015, e agora exibida no Brasil pela segunda vez, o trabalho traz a comunicação fácil dos signos pop ao passo que estimula a participação do espectador —as peças de madeira podem ser montadas de várias formas, criando diferentes narrativas visuais.

"Embora não considere o trabalho politicamente engajado, acredito que pode ser considerado um meio de reflexão sobre aquele momento histórico específico", afirmou Disconzi sobre a obra, em uma entrevista para o site da Tate Modern, em 2015. "Considero que 'Totem de Interpretação' continua a transmitir a mensagem que quero transmitir, e ainda tem um grande apelo junto do público."

Símbolos da sociedade dita do progresso, como um Fusca e o telefone, aparecem respectivamente nas serigrafias de Disconzi e Regina Vater. O meio de comunicação foi também representado como um objeto de madeira por Cybèle Varela. Numa época em que as pessoas se correspondiam por carta e ainda era um luxo ter uma linha em casa, o telefone significava "uma autonomia da mulher na comunicação", diz Nóbrega, um dos organizadores.

Romanita Disconzi, 'Totem de Interpretação' (1969) - divulgação/galeria Superfície

Outro tema presente é o corpo da mulher, sob uma perspectiva feminina, mas não necessariamente feminista, já que muitas dessas artistas não se denominavam assim, afirma Bechelany. Trata-se de uma reflexão sobre o gênero apresentada de maneira menos combativa, como no trabalho colorido em madeira de Maria do Carmo Secco, na qual enquadramentos distintos mostram ilustrações de pernas, do busto e do rosto de uma mulher rindo.

Nóbrega destaca que, quando o espectador vê os trabalhos desta geração lado a lado, fica evidente como as artistas tratavam de questões semelhantes. "Na época todos se engajavam para falar de temas comuns, como problemas sociais e questões estéticas da história da arte. A obra passa a ter um ativismo político. Hoje a gente vive uma coisa oposta, um individualismo tremendo de cada um dos artistas, cada um tem o seu universo e a sua linguagem."

Mulheres na Nova Figuração: Corpo e Posicionamento

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