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Priscilla e Elvis de Sofia Coppola são mulher e homem de seus tempos

Diretora americana retoma projeto de retrato da solidão que lhe é caro depois de filmes insignificantes como 'Bling Ring'

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Priscilla

A boa notícia é que, depois de alguns filmes tão insignificantes como a refilmagem de "O Estranho que Nós Amamos" e "Bling Ring", Sofia Coppola está de volta. E chega assim que a primeira imagem entra na tela. Estamos na Alemanha, onde Elvis Presley presta seu serviço militar como bom rapaz americano. Bom do tipo que, fardado, pede licença ao pai da garota para namorá-la. Alguém muito diferente do roqueiro rebelde que conhecemos.

Cailee Spaeny como Priscilla Presley no filme 'Priscilla', de Sofia Coppola
Cailee Spaeny como Priscilla Presley no filme 'Priscilla', de Sofia Coppola - Divulgação

Lá está também a jovem, muito jovem Priscilla. Claro que ela fica louca por ele. É um pouco, bem pouco surpreendente que Elvis também caia por ela. Para todos os efeitos, e como ele mesmo justifica, é porque Priscilla é, como ele, americana em terra estrangeira. Na visão de Coppola não talvez não seja o único motivo, como veremos. Uma adolescente como ela é alguém mais moldável —embora, vamos convir, qualquer uma, diante de Elvis, seria moldável, adolescente ou não.

É preciso lembrar que estamos na década de 1950, distante da libertação sexual e tudo mais. E Elvis, que vinha de Memphis, Sul profundo dos Estados Unidos, representava, por canções, gestos e requebrado único, a rebeldia que iria se manifestar com mais clareza na década seguinte. A representação que Coppola lhe dá, no entanto, é de um jovem moralista e conservador. Digno dos anos 2020, por exemplo.

Mas Coppola não está sozinha nessa. Ela parte de um relato autobiográfico da própria Priscilla, que por sinal também é produtora executiva do filme, ou seja, sabe muito bem do que se está falando.

Tempos depois, ela chega aos EUA, ainda menor de idade, com passagem na primeira classe paga pelo namorado. Na primeira visita, é acompanhada pelo pai, militar que servia na Alemanha. É recebida na mansão de Elvis, coisa para Barbie nenhuma botar defeito. A paisagem muda. Dos interiores melancólicos da Alemanha, passamos à luminosidade intensa do Sul dos EUA. Dos espaços restritos das casas da base militar, passamos à mansão enorme de Elvis.

A vida de também muda. Depois de perder a virgindade, o que Elvis zelosamente adiava, Priscilla se vê numa casa enorme à espera de seu príncipe encantado, que vive viajando e cheio de compromissos nos quais é acompanhado por seus músicos branquíssimos. O Sul é racista até a medula: salvo erro, só uma pessoa negra aparece no filme —a empregada. A notação é óbvia, mas não dispensável. Coppola observa, mas não pesa a mão.

Com o tempo, Priscilla terá acesso a algumas experiências novas, a começar pelos barbitúricos que o astro toma o tempo todo. Há também o LSD, a que Elvis lhe apresenta. Coppola não perdoa. Dificilmente haverá no mundo cena de uma viagem de LSD mais sem graça do que essa. É como se nada tivesse acontecido. Será que o LSD era falsificado ou insinua-se que os dois não tinham inconsciente para liberar?

LSD à parte, é como se quase nada tivesse acontecido também. Com Elvis em viagem, quem manda na casa e nela é o pai do cantor. O velho não dá dinheiro à moça, que reclama por telefone. Nem por isso Elvis vai liberar o talão de cheques. Responde, expeditivo, que ele é mesmo um pão duro.

Luxo ela pode ter. Muitos vestidos, comprados quando Elvis volta de viagem. Em geral são os modelos que ele recomenda. Penteados e maquiagem que talvez ficassem bem numa mulher de 30 ou 40 anos. Um cãozinho branco. Um jardim enorme só dela, mas onde não pode nem passear à vontade. Um sogro que não permite nem que ela converse com as moças da contabilidade.

Pergunta obrigatória: terá Priscilla, de fato, se submetido a esse tratamento?

Terão as coisas acontecido assim ou se trata do rompante de uma cineasta feminista em seus acertos ("Maria Antonieta") e erros ("O Estranho que Nós Amamos"), que costuma ver suas heroínas como pessoas envolvidas por circunstâncias exteriores a ela, num filme baseado no livro da ex-senhora Presley, não mais uma menina sonhadora, mas agora devidamente feminista.

Talvez Priscilla seja, antes ou depois de Elvis, apenas uma mulher de seu tempo, assim como ele, à parte ser o astro que era, não poderia ser senão um homem de seu tempo —e de seu ambiente.

Embora a solidão seja representada a maior parte do tempo sem grande inventividade, no que é essencial, Sofia Coppola volta a desenvolver com propriedade outra vez um projeto que claramente lhe é caro.

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