Conheça Carlos Bunga, que faz arte com papelão e folhas e convida para a interação

Artista da 35ª Bienal de São Paulo inaugura sua primeira mostra individual no Brasil com obras que refletem sobre o tempo

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São Paulo

Poucas foram as obras da última Bienal de São Paulo que convidaram o visitante a penetrá-las. O verbo foi transformado em conceito por Hélio Oiticica, com instalações feitas para que o público caminhasse entre paredes, sentisse cheiros, tocasse as peças e, enfim, abdicasse do papel de observador para compor a arte.

Uma delas era "Habitar a Cor", do artista português Carlos Bunga, que tingiu de rosa um generoso pedaço do terceiro pavilhão projetado por Oscar Niemeyer. Descalço, o visitante era compelido a caminhar sobre o chão de tinta craquelada e a apalpar, com as mãos, suas rachaduras.

Obra da série 'Construção Pictórica. Natureza', de Carlos Bunga
Obra da série 'Construção Pictórica. Natureza', de Carlos Bunga - Divulgação

Com 20 anos de carreira, Bunga já exibiu suas obras em Nova York, Miami e na Bienal de Veneza. Sua primeira Bienal de São Paulo foi em 2010 e, no período em que esteve de volta à capital paulista para a edição de 2023, criou as obras agora expostas em sua primeira mostra individual no Brasil, na galeria Nara Roesler.

Entre elas, está "Occupy", uma série de caixas de papelão do mesmo tamanho que, grudadas umas às outras, formam um chão esburacado. De frente para um vídeo que mostra a periferia de La Paz, na Bolívia, vista do alto, os caixotes parecem imitar a geografia das casinhas agrupadas.

Quem visita a exposição deve caminhar sobre as caixas. "Essa obra se completa com a nossa presença. Ela acontece quando entramos nela", diz o artista, que causa um efeito inusitado numa galeria comercial, um ambiente frequentados, em geral, por um público seleto. "O espaço condiciona os nossos sentidos, por isso tento me apropriar das arquiteturas dos locais onde exponho, para que ela dialogue com as obras."

Ao caminhar pela mostra, é possível ver uma cadeira tingida de amarelo perfurada por uma das colunas da galeria. Mais à frente, outra cadeira, dessa vez azul, está virada para a parede, como se tivesse de castigo.

Ainda que o artista seja reconhecido pelas grandes instalações, Bunga diz gostar de brincar com as escalas, motivo pelo qual fez duas obras chamadas de "Ponto de Fuga" —caixas um pouco maiores do que caixas de fósforo, com uma massa de tinta rachada em seu interior.

Assim, Bunga tenta romper com o que chama de "cristalização da arte", a ideia de que uma obra é um objeto de áurea superior, digno de admiração a distância e que deve permanecer por gerações —normas adotadas pela maioria das instituições e museus, diz ele.

Já na série "Novos Mapas", o artista pintou, sobre tapetes, formas que parecem mapas mundi com continentes inexistentes. Ao mesmo tempo, a tinta craquelada, como se estivesse velha, remete a um desejo antigo —e errante— de definir fronteiras. O tapete, um objeto doméstico, leva `å reflexão sobre os milhares de imigrantes que tentam encontrar uma casa noutro país.

Algo semelhante ocorre com a série "Construção Pictórica. Natureza". No período em que esteve em São Paulo, o artista percorreu a cidade colhendo, do chão, folhas, galhos, papéis e metais que encontrava. Numa reinvenção da natureza morta, temática clássica para as pinturas ao longo dos séculos, os itens descartados foram colados às telas, e tinta foi derramada sobre eles.

A impressão é de que a obra está derretendo, e o pigmento levará consigo os objetos desordenados. "Esses trabalhos aceitam a imperfeição", diz Bunga. "Nós, humanos, temos uma obsessão com o eterno. O que é realmente permanente é a transformação das coisas. Por isso gosto de usar materiais precários, frágeis, que são também um espelho de nossa mortalidade."

A sensação que as telas causam ao serem contempladas é essencial para ele, que fixa os quadros na parede de forma irregular, alguns mais próximos do chão, outros mais perto do teto. Duas das obras, feitas com cera de abelha, exalam um cheiro que impregna o ambiente.

As provocações sensoriais, diz Bunga, são formas de entreter o público que é estimulado a refletir para tirar proveito do que vê, algo que ele considera essencial na era das redes sociais e do bombardeio diário de imagens.

O espaço para imaginar é o que o incentiva a criar obras imperfeitas e incompletas. É uma inspiração, diz ele, nas esculturas gregas carcomidas pelo tempo. "Se falta uma perna, eu tenho espaço para imaginá-la."

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