Mostra relembra como Hélio Oiticica envolvia o público em suas obras e fazia política

Exposição em Brasília revê a carreira do artista e mostra por que ele se afastou da arte como algo a ser apenas contemplado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

Quando voltou de uma temporada de sete anos em Nova York, Hélio Oiticica queria se reconectar com o Rio de Janeiro, sua cidade natal. Ao caminhar pela avenida Presidente Vargas, onde os desfiles de Carnaval aconteciam naquela década de 1970, o artista passou a recolher pedras e detritos do calçamento resultantes da obra de construção de uma linha de metrô por ali.

Um dia, encontrou uma pedra com o formato da ilha de Manhattan, decidiu chamá-la de "Manhattan Brutalista" e a transformou em uma de suas obras de arte. A rocha foi imortalizada numa fotografia de 1978 em que Oiticica aparece segurando a pedra no canteiro de obras do metrô, de sunga e sapatos, enquanto olha para a câmera.

Hélio Oiticica com Manhattan Brutalista, no canteiro de obras do metrô da Avenida Presidente Vargas, Rio de Janeiro, 1978
Hélio Oiticica com 'Manhattan Brutalista' no canteiro de obras do metrô, na avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, em 1978 - Andreas Valentin

Naquele momento, sua prática já havia incorporado a criação artística a partir de artefatos encontrados e se encaminhava para a fase mais radical. "No fim da vida, Oiticica abandona a produção de objetos e ambientes e propõe que o caminhar na rua seja o fazer artístico. Ele já tinha dito antes que o museu é o mundo e agora propõe que qualquer um pode ser artista. É o dissolver das barreiras entre artista e não artista", afirma Moacir dos Anjos.

Dos Anjos é organizador de uma extensa exposição sobre o trabalho de Oiticica aberta no último sábado (22), no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, o CCBB.

Para apresentar o trabalho do artista, a mostra se baseia justamente no conceito de perambular pela cidade como estopim da invenção artística. Além da pedra em forma de Nova York e da fotografia na qual ela aparece, o público vê cerca de 90 obras de toda a carreira do criador e provocador.

Há desde sua breve fase na pintura, quando era adolescente, nos anos 1950, até páginas de seus cadernos com anotações de projetos, de pouco antes de sua morte, em 1980, aos 42 anos.

Organizada cronologicamente, a exposição deixa claro como a carreira do artista foi uma evolução no sentido de se desvencilhar do objeto artístico e do conceito da arte como algo a ser visto passivamente num museu. Havia uma constante convocação das pessoas a interagirem com suas obras, que só se completavam com a ação do público.

Ilustram esta ideia os parangolés, capas coloridas para vestir que Oiticica passou a desenvolver depois de ter subido o morro da Mangueira em 1964 e se encantado com a vitalidade dos adereços e fantasias da escola de samba.

Há vários deles expostos, incluindo os de conotação política mais explícita, que iam de encontro à ditadura militar, com dizeres como "estou possuído", "estamos famintos" e "da adversidade vivemos", além de um com o rosto de Che Guevara adornado com lantejoulas. Alguns podem ser vestidos pelos visitantes.

"A dança que o trabalho dele adquire vem do samba. Com o parangolé e o movimento do corpo, você se torna a obra. Ela só existe por conta de você, neste contato com o corpo", afirma Dos Anjos, acrescentando que dançar envolto num parangolé era para Oiticica uma forma de o corpo se livrar das amarras impostas pela ditadura. Mesmo com o clima duro no país, as criações do artista não deixaram de ser lúdicas.

Nildo usa Parangolé P4 Capa 1,1964  Morro da Mangueira, Rio de Janeiro, 1979
Nildo usa 'Parangolé P4 Capa 1', de 1964, no Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro - Andreas Valentim

Um dos destaques da exposição é "Grande Núcleo", de 1960, um conjunto de retângulos e quadrados de madeira pintados em diferentes tons de amarelo que pende do teto.

A obra de grandes dimensões tem uma galeria dedicada só para ela, nesta que é uma das poucas vezes em que pode ser vista por inteiro, de acordo com Cesar Oiticica Filho, sobrinho do artista e um dos responsáveis pelo legado do tio. Em geral, os núcleos são exibidos em módulos menores.

Há também uma série de penetráveis expostos. São grandes instalações em formato de cabine onde as pessoas podem entrar. Elas mostram como o artista queria envolver o corpo dos espectadores.

No jardim do CCBB está montado um "Magic Square", uma obra em forma de labirinto com paredes coloridas que mudam de tonalidade conforme a incidência da luz do sol, semelhante ao que está em exposição permanente no museu Inhotim, em Minas Gerais.

A maior parte das obras da mostra vêm do Projeto Hélio Oiticica, um centro cultural no Rio de Janeiro instalado na casa onde o artista morou, no Jardim Botânico, gerido pelo sobrinho —algumas poucas peças são oriundas de coleções particulares. Ainda não há previsão de que a exposição vá para outras cidades.

Oiticica Filho, o sobrinho, destaca uma característica fundamental da obra de seu tio. Ele observa que, à medida que a obra de Oiticica exigiu mais a participação do espectador, ela se tornou mais política. "É política na essência, porque ela está dizendo que a partir da ação você faz uma revolução."

O jornalista viajou a convite da produção da exposição

Hélio Oiticica - Delirium Ambulatorium

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.