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'Here' é belo estudo das relações humanas num tempo de vagarosidade

Novo longa-metragem de Bas Devos se situa nos arredores rurais da cidade e com isso se abre mais às paisagens naturais

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Here

  • Onde Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 10 anos
  • Elenco Stefan Gota, Liyo Gong, Teodor Corban
  • Produção Bélgica, 2023
  • Direção Bas Devos

O motor estético de "Here" é a passagem do tempo. A maneira como o tempo escorre vagarosamente, seja no campo, seja em meio a prédios em construção, em lanchonetes ou mesmo no transporte público, é o que move o filme e seu estilo.

Não difere muito do longa anterior de Bas Devos, "Trópico Fantasma", de 2019, a não ser que este seja todo ambientado na grande cidade, baseado em recortes do espaço —enquadramentos dentro de enquadramentos— enquanto "Here" busca também locações nos arredores rurais da cidade e com isso se abre mais às paisagens naturais.

Cena do filme 'Here', de Bas Devos
Cena do filme 'Here', de Bas Devos - Divulgação

O espectador é convidado a se adaptar a essa passagem do tempo, no que devemos lembrar que o tempo é um elemento essencial do cinema. Ou seja, em "Here", temos uma dupla impressão do tempo.

O tratamento do espaço é uma preocupação contígua, pois a ação do tempo é flagrada, no cinema, em um determinado espaço delimitado pelo enquadramento da câmera.

São essas as preocupações do diretor que vão determinar a maneira como ele escolhe contar a história. Tudo está subordinado a esse estilo baseado no escorrimento do tempo e no espaço cuidadosamente recortado. Um filme que parece dizer: "forma é essencial". Ou a velha máxima, dita por muitos: "forma é conteúdo".

Há, claro, o tema. Ou um fiapo de tema. Acompanhamos um imigrante romeno chamado Stefan, interpretado por Stefan Gota. É um trabalhador de construção civil de Bruxelas, mas o vemos sobretudo nos momentos de descanso e deslocamento.

Ele encontra uma senhora vivida por Saadia Bentaïeb, atriz protagonista de "Trópico Fantasma". Essa senhora cria uma horta no meio da cidade e oferece espaço para Stefan plantar as sementes que encontrou em seu bolso.

O tempo e o espaço do campo vividos na cidade. Pedaços de verde em meio ao cinza. Sementes para o florescimento guardadas em uma peça de roupa. Um convite à mudança de ritmo, à ideia de não se render à correria do mundo atual, de adotar um ritmo próximo da natureza.

Há ainda a estudante de origem chinesa ShuXiu, vivida por Liyo Gong, que ajuda a tia numa lanchonete típica. Ela é bióloga e pesquisa musgos nos bosques ao redor de Bruxelas. ShuXiu e Stefan se encontrarão, primeiro na lanchonete, depois no bosque. Talvez desenvolvam uma relação amorosa.

Os encontros de Stefan com diversos personagens se dão de maneira minimalista, com cenários urbanos, chuvas incessantes, parques e bosques integrando uma malha que antes de aprisionar parece proteger o personagem.

Bas Devos usa o enquadramento menos horizontal, mais comum no cinema até 1953, quando foi desenvolvido o cinemascope. Essa opção reflete o desejo de delimitar ainda mais o espaço em um recorte condicionado pelo que a câmera capta.

Godard e Rohmer acreditavam que era o enquadramento ideal para mostrar relações humanas. Por isso não devemos desprezar a relação que se estabelece entre Stefan e os demais, principalmente, após um tempo, com ShuXiu.

No esquema formal proposto pelo filme, até os créditos finais se encaixam, com os nomes de todos que participaram de sua feitura sendo preenchidos aos poucos, ocupando a tela preta com fonte pequena, o nome do diretor escondido no meio do texto.

Esse é o procedimento típico dos filmes de Devos, meio godardiano nas palavras que completam um todo, mas com uma tipologia singular. Ou seja, até nos créditos o diretor quer deixar sua marca.

Na verdade, é ao mesmo tempo um trabalho coerente de estilo e de apagamento da sua autoria. A contradição, quando repetida, Devos sabe muito bem, faz valer a assinatura do diretor. Mas ainda assim é interessante a proposta.

Eis um cineasta que tem desenvolvido um caminho bem interessante no cinema, desde o primeiro longa, "Violet", de 2014, passando também pelo curioso "Hellhole". "Here" é seu quarto e melhor longa.

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