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'As Árvores' é respiro em mundo com movimentos racistas agindo às claras

Romance policial de Percival Everett, autor do argumento de 'Ficção Americana', se filia a safra sobre vingança histórica

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Vanessa Oliveira

Jornalista, doutora em ciências sociais e professora de jornalismo das universidades Mackenzie e PUC, em São Paulo

As Árvores

  • Preço R$ 84,90 (352 págs.); R$ 59,90 (ebook)
  • Autoria Percival Everett
  • Editora Todavia
  • Tradução André Czarnobai

"As Árvores", que Percival Everett publica agora na editora Todavia, recicla um tema recorrente na literatura e no cinema afro-americanos do período mais recente: uma vingança histórica ou "justiça retributiva", como chama uma das personagens.

Oga Mendonça ilustra a capa de 'As Árvores', primeiro livro do americano Percival Everett a sair no Brasil, na editora Todavia - Oga Mendonça/Divulgação/Divulgação

Neste romance policial, três oficiais negros de jurisdições distintas são destacados para desvendar o curioso caso de um corpo também negro, que, após ser encontrado ao lado de um cadáver branco e mutilado, desaparece do necrotério local e reaparece em uma outra cena de crime similar.

A trama se passa na cidade de Money, no estado do Mississippi, que, no mundo real, foi palco de um dos mais famosos e aterrorizantes casos de linchamento da história dos Estados Unidos.

O ano era 1955 e o sul do país vivia sob o jugo da Lei Jim Crow, que oficializava a segregação entre brancos e negros. Um menino negro de Chicago, que estava de férias na cidade, entrou em uma loja de doces de uma família branca e foi acusado de "cantar" a dona do estabelecimento, Carolyn Bryant. Emmett Till tinha apenas 14 anos e foi espancado até a morte pelo marido e o cunhado da mulher.

O corpo irreconhecível de Till foi encontrado três dias depois no rio Tallahatchie e retornou para ser sepultado em Chicago. Em uma das decisões mais corajosas da história da iconografia política, a mãe do garoto, Mamie Till-Mobley, optou por um velório de caixão aberto, o que fez de seu irreconhecível filho a mais reconhecível face do racismo dos Estados Unidos.

As imagens do menino desfigurado rodaram o mundo e foram a fagulha do movimento por liberdade e direitos civis que abalaria o país pelas próximas décadas e daria fim à segregação formal.

Roy Bryant e J. W. Milam, os assassinos de Till, foram a julgamento, acabaram absolvidos e, após o fim do espetáculo, venderam sua confissão a uma revista, no início de 1956. No livro de Everett, porém, essa impunidade tem um desfecho tardio e misterioso. O Till da vida real se torna ponte entre os dois primeiros corpos brancos violentados do romance.

Quem costura essa história no presente é Mama Z, uma personagem centenária, meio ativista e meio bruxa. Aos 105 anos, ela é responsável por um arquivo caseiro compilando mais de 6.000 casos de
linchamento que aconteceram pelos Estados Unidos.

As histórias vão do justiçamento de seu próprio pai, no ano em que ela nasceu, até os assassinatos de pessoas negras pelas mãos da polícia —o que Mama Z considera também ato de linchamento.

O uso de elementos fantásticos, somado a uma miríade de referências atuais da política dos Estados Unidos, inclui o livro na onda de produções como a série "Atlanta", capitaneada por Donald Glover, os filmes dirigidos por Jordan Peele ou a literatura de Nana Kwame Adjei-Brenyah, como "Friday Black", que têm apresentado com maestria o racismo do século 21 nos EUA.

Neste caso, a obra de Everett oferece um real motivo ao pânico branco, em plena era Trump. É um romance de fácil leitura, tem humor inteligente para quem conhece a história negra dos Estados Unidos ou sabe rir dos absurdos que produz a nova cena supremacista pelo mundo.

Organizado em capítulos curtos, que passeiam por estados e cenas de crime e de conspiração distintas, "As Árvores" também traz elementos das revanches asiática e indígena no país, nos mesmos moldes, mas que infelizmente carecem do cuidadoso trato histórico dedicado ao contexto afro-americano.

Apesar disso, o romance dá respiro artístico a um mundo onde movimentos declaradamente racistas atuam à luz do dia, quase sem contenção política e sociocultural.

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