Bailarinos dançam as vidas perdidas para Aids em vídeo de Kang Seung Lee no Masp

Artista sul-coreano mostra filme que homenageia Leonilson e o coreógrafo de Singapura Goh Choo San, duas vítimas do HIV

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Frame do vídeo 'Lazarus', de 2023, de Kang Seung Lee

Frame do vídeo 'Lazarus', de 2023, de Kang Seung Lee - Divulgação Masp

São Paulo

Dois bailarinos dançam enrolados numa única peça de roupa, formada pela junção de duas camisas. Ao som de música eletrônica e sob luz baixa de balada, eles fazem movimentos de aproximação, corpo tocando corpo, e depois de afastamento, como um casal nas diversas fases de uma relação.

A coreografia de cerca de oito minutos compõe o vídeo "Lazarus", obra que o artista sul-coreano Kang Seung Lee apresenta na sala de vídeo do Masp, o Museu de Arte de São Paulo, a partir desta sexta-feira. O mesmo trabalho também é mostrado, até novembro, na Bienal de Veneza, mostra farol da arte contemporânea capitaneada neste edição por Adriano Pedrosa, também diretor artístico do Masp.

Frame do vídeo 'Lazarus', de 2023, de Kang Seung Lee
Frame do vídeo 'Lazarus', de 2023, de Kang Seung Lee - Divulgação Masp

Mas o vídeo não é apenas o registro de uma coreografia delicada e sensível. Trata-se de uma homenagem a dois outros artistas, ambos queer e que morreram em decorrência do vírus da Aids —Leonilson, que também ganha uma mostra no Masp, e o coreógrafo de Singapura Goh Choo San, nome praticamente desconhecido no Brasil.

Lee, o artista, conta que sempre procura trazer em seus trabalhos histórias que conectem pessoas de diferentes continentes. "Eles [Leonilson e Goh Choo San] não se conheciam quando estavam vivos. Mas achei que as suas histórias e seus legados estavam conectados", afirma. "Sem falar que o vírus que matou os dois é transmitido de corpo a corpo."

A dança que vemos no vídeo, segundo o artista, é uma metáfora "trágica mas importante" da transmissão do vírus da Aids, quando os corpos dos bailarinos se tocam com intimidade na cena. Por outro lado, o que conecta um ser humano ao outro também é o contato das peles, acrescenta ele. Ou seja, o filme trabalha nesta dualidade entre a vida e a morte.

A camisa vestida pelos bailarinos é uma reprodução da camisa da obra "Lásaro", de 1993 —considerado o último trabalho de Leonilson, que morreria naquele ano—, porém feita de sambe, um tecido de cânhamo usado na Coreia para mortalhas funerárias. Pela tradição do país, o corpo do defunto fica três dias enrolado nesta vestimenta.

Desta forma, quando o vídeo é exibido no país natal de seu autor, o público imediatamente o associa com a morte e o processo de luto, conta Lee. "Lásaro", o trabalho de Leonilson, pode ser visto no primeiro andar do Masp, como parte de uma mostra retrospectiva da obra do artista.

Lee também conta que tinha uma vaga ideia de selecionar bailarinos diversos para a filmagem, mas isso não era necessariamente um objetivo. Ao fim, ele escolheu dois dançarinos muito distintos —um sino-americano, Kevin, e um porto-riquenho, Gabriel —para contracenarem, e é claro que o contraste das cores das suas peles acrescenta uma camada de complexidade ao vídeo.

O artista argumenta que é muito importante abordar o HIV. "Isso ainda está sem solução. Pessoas ainda morrem de Aids em muitas partes diferentes do mundo, talvez menos no primeiro mundo, atualmente. Mas é uma epidemia que ainda acontece e falamos muito pouco sobre ela."

Afora isso, Lee, nascido em 1978, dedica o trabalho para a geração de homens queer jovens perdida para o vírus da Aids, "completamente apagada da história oficial", de acordo com ele, e de quem se sabe tão pouco. "Como uma pessoa queer, tenho uma relação direta com esta história. Me sinto muito próximo a isso."

'Lazarus', vídeo de Kang Seung Lee

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