Descrição de chapéu Silvio Santos Folha por Folha

Copiei Silvio Santos para fazê-lo dar uma entrevista que durou três semanas

Para driblar negativas do apresentador, repórter deu plantão em cabeleireiro e engatou papo sem clima de interrogatório

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Joelmir Tavares
Joelmir Tavares

Na Folha desde 2012, é formado em jornalismo e cobre política e eleições

São Paulo

Silvio Santos me deu quatro "nãos" logo nos primeiros segundos de uma conversa que tive com ele na porta do salão do cabeleireiro Jassa em uma fria manhã de 2013.

Era um pedido para que o apresentador falasse ao jornal, e ele cordialmente se recusava, evocando a regra pessoal convertida em lenda de que não concedia entrevistas. Mas o tom afável das negativas, disparadas com aquele sorriso que todo mundo conheceu, me mostrou que eu ainda tinha chance.

O apresentador e empresário Silvio Santos ao sair do salão do cabeleireiro Jassa no terceiro e último dia de entrevista - Moacyr Lopes Junior - 18.jun.2013/Folhapress

Insisti, disse que o pretexto para o ouvir era a comemoração dos 50 anos de seu programa, argumentei que seus fãs, entre os quais me incluía, gostariam de saber o que o ídolo pensava. Como ele ia me respondendo, entendi que o caminho era copiar o jeito Silvio de papear com seus convidados e colegas de auditório. Se eu optasse por assuntar, em vez de interrogar, poderia dar certo.

E foi assim que, em três conversas num espaço de três semanas, fiz o apresentador contradizer sua própria máxima e conceder para a coluna Mônica Bergamo, da qual eu era repórter, uma de suas raras entrevistas. Falou de como se via na profissão, de seus negócios, de religião, da família.

Na primeira vez, quando ele se sentou no banco do motorista para dirigir até o SBT, fui rápido e me coloquei entre ele e a porta do carro. Sem poder partir, ele foi cedendo ao impulso de comentar os assuntos, ciente de que tudo era registrado por um gravador no bolso da minha camisa.

Eu fingia não ouvir os avisos, naquela voz inconfundível da TV, de que ele precisava ir porque 200 pessoas o esperavam na plateia da emissora para a gravação de seu programa. "Eu tenho que trabalhar", exclamava, divertido. (E, sim, aos 82 anos de idade, ele dirigia o próprio carro.)

O apresentador e empresário Silvio Santos ao sair do salão do cabeleireiro Jassa no terceiro e último dia de entrevista - Moacyr Lopes Junior - 18.jun.2013/Folhapress

Aflito pelo risco de que ele encerrasse o diálogo a qualquer momento, comecei a emendar assuntos para o estimular a opinar. Com confessa admiração, citei uma pesquisa Datafolha em que fora apontado como a pessoa com "a cara de São Paulo" e o rebati para afirmar que ele era, quisesse ou não, um artista.

Nesse jogo de quase conquista, o coração aos pulos, deu um branco na lista mental de perguntas e o que me veio à cabeça foi perguntar ao homem que incorporou a alegria como lema se ele estava feliz. Claro, estava. A partir dali senti que o consegui ganhar.

Nessa toada, ao longo de conversas que não chegaram a dez minutos cada uma, Silvio declarou que o Baú da Felicidade "só terminou porque o crediário está muito barato" e analisou as concorrentes Globo —"a principal emissora do Brasil"— e Record —"não tem necessidade de dinheiro" por causa da Igreja Universal.

Foi incisivo ao dizer que o SBT "é uma casa judaica" e que um judeu "não deve alugar a televisão" para programas de outras religiões, "nem católico nem evangélico nem budista". Mostrou o lado pragmático ao afirmar que não guardava mágoa de ex-contratados como Gugu e que ele poderia voltar, desde que ambos fossem "ganhar dinheiro".

Refletiu também sobre aposentadoria e morte. A respeito da primeira disse que não sabia quando, mas um dia teria que acontecer. À segunda reagiu com troça. "Quando você chega aos 82 anos e falam [que você está] 'muito bem', cuidado, porque com 83 você pode estar no buraco já", disse, concluindo com seu "rá-rá-rá".

Pintou ainda o que pode ser lido como sinal de inclinação conservadora, com sua defesa de leis mais duras contra menores infratores. Beneficiados por algo como um salvo-conduto, argumentou o apresentador, os jovens acabavam contratados por bandidos "profissionais", que escapavam da pena.

Ocorrida horas após um dos grandes protestos de junho de 2013, uma das conversas incluiu a avaliação de Silvio de que os manifestantes não tinham um objetivo claro, como reivindicar leis criminais mais severas ou punição para "os responsáveis pelo mensalão".

Os dois primeiros encontros, sempre pressionados pelo horário de gravação, foram interrompidos por ele quando levantei questões menos confortáveis. Uma foi o rombo no PanAmericano e seu papel na solução da crise, outra foi a popularidade em queda da então presidente Dilma Rousseff e os rumores da volta de Lula para concorrer no ano seguinte.

Sobre a sua candidatura malfadada ao Planalto em 1989, ele se saiu com uma galhofa —aquilo havia sido "uma desmunhecada". Rindo, falou em "uma tentativa de fazer alguma coisa, mas é dificílimo".

Do primeiro ao último minuto, Silvio manteve o discurso de modéstia, justificando que não era "muito fã desse negócio de sair em jornal, em revista" —há controvérsias— porque se via da mesma forma que um profissional qualquer, sem merecer "fidalguias" ou "regalias".

Ele se definiu como um "vendedor de bugigangas", empenhado em honrar sua teoria de que um segredo de seu sucesso foi ter resistido às armadilhas da vaidade. Nem chegou a usar a desculpa de que rejeitava entrevistas porque uma cigana o alertara de que ele morreria quando isso acontecesse.

Sabemos que a advertência acabou descumprida outras vezes porque o próprio salão do amigo Jassa se tornou durante anos ponto de peregrinação para repórteres que tentavam furar a blindagem nem que fosse para obter uma declaração breve.

Tive a sorte de ter feito meu plantão num período de calmaria. Anos depois, tentei repetir a estratégia para o ouvir sobre algo do noticiário e me deparei com uma romaria de fãs no local, o que fez o comunicador sair apressado, driblando a turba que o cercava com gritos por selfies e autógrafos.

No domingo em que foi publicada a nossa entrevista feita em três tempos, editada por Mônica Bergamo respeitando a ordem cronológica e o clima de prosa, Silvio surpreendeu a família na mesa do café da manhã com uma edição do jornal, segundo me contou uma fonte. "Estou na Folha", teria dito.

No dia seguinte, o apresentador telefonou para a Redação para, em suas palavras, "dar parabéns" pelo resultado final. Coube à secretária da coluna, Clara Bastos, ficar com o recado, já que era meu dia de azar. Eu tinha ido almoçar e perdi a chance de, quem sabe, prosseguir a entrevista com Silvio Santos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.