Descrição de chapéu Clube da Leitura Folha

Com vigor literário, Bolaño faz revisão histórica em "Noturno do Chile" 

Romance do escritor chileno será debatido no Clube de Leitura Folha

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Jáder Muniz

RESUMO O próximo encontro do Clube de Leitura Folha, nesta terça (27) às 19h, vai discutir o livro "Noturno do Chile", de  Roberto Bolaño . O evento acontece na Livraria da Vila - Alameda Lorena e tem entrada gratuita. No texto a seguir, Jáder Muniz faz uma resenha crítica da obra.

 

“Noturno do Chile” é uma das obras mais emblemáticas do escritor chileno Roberto Bolaño (1953-2003). O romance é narrado em primeira pessoa pelo seu protagonista, o padre, poeta e crítico literário Sebastián Urrutia Lacroix

A narrativa dura aproximadamente 150 páginas, conforme a edição que o leitor escolha, e está estruturada em apenas dois parágrafos. O primeiro ocupa praticamente toda a obra; o segundo, uma única frase, encerra de modo contundente a tormenta de Lacroix.

 

O personagem central está em seu leito de morte quando decide contar a própria história e defender-se das “infâmias” que um antagonista fantasmático, a quem se refere apenas como jovem envelhecido, haveria espalhado a seu respeito. 

Ao rememorar sua trajetória, Lacroix percorre um período de aproximadamente 40 anos no qual sua história pessoal se imbrica com a história política e com a vida cultural do país, especialmente no plano literário. 

O leitor pode acompanhar sua ascensão na igreja e no mundo das letras, ao mesmo tempo em que o personagem conservador se envolve com a direita chilena e termina por colaborar com o regime ditatorial de Augusto Pinochet, dando aulas de marxismo à junta militar que passou a governar o país a partir de 1973. 

O ditador e sua cúpula pretendiam compreender a teoria que inspirava as ações de seus inimigos, guerrilheiros e militantes de esquerda.

“Noturno do Chile” faz, desse modo, uma espécie de revisão da história recente do país, dando conta da chegada ao poder do socialista Salvador Allende, em 1970, seu breve governo e sua queda três anos depois, da ditadura militar, implantada pelo golpe de Estado que o derruba, assim como do processo de redemocratização do país, iniciado no final da década de 1980. 

Embora possa ser catalogada como romance histórico, a narrativa não perde em momento algum o vigor literário e prende o leitor com um humor sagaz e uma fina ironia, destilada especialmente quando das aparições do aclamado poeta Pablo Neruda

Bolaño imprime à fala de seu narrador um tom pretensioso, o que faz com que ele caia no ridículo e que duvidemos mais de uma vez de suas tentativas de glorificar o “mais excelso poeta do Chile”.

Esse relato potente é um convite a um (re)encontro com alguns lugares estabelecidos na história e na literatura. Após uma leitura mais atenta de “Noturno do Chile”, torna-se difícil ver com os mesmos olhos figuras como Allende, Neruda e Pinochet. 

O próprio Chile já não pode ser o mesmo à luz da obra de Roberto Bolaño, que cumpre um importante papel no campo social e político, sem deixar de envolver o leitor com uma narrativa que emociona e prende. 

Trata-se, certamente, de uma obra que vai muito além de suas breves 150 páginas, servindo também a um estranhamento positivo do leitor comum para com o romance enquanto gênero literário. 

A fusão entre forma e conteúdo realizada por Bolaño promove, no imaginário de quem dela se aproxima, uma inevitável comparação com o que até então entendemos como romance. As inúmeras conclusões possíveis fazem de seu texto uma obra aberta no melhor sentido do termo.
 

Jáder Muniz é aluno de doutorado em literatura hispano-americana do Departamento de Letras Modernas  da USP

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