Ruralistas batem boca em reunião tensa sobre apoio aos caminhoneiros

Criadores de frangos questionam produtores de grãos por incentivar movimento que trava o país

São Paulo e Brasília

Um comboio com mais de cem caminhões foi barrado por manifestantes nesta terça-feira (29) em Rondonópolis, em Mato Grosso, um dos principais eixos de escoamento de soja do país, apesar da escolta da Polícia Rodoviária Federal.

Apenas cinco veículos conseguiram furar o piquete, enquanto o restante foi obrigado a voltar.

A vitória dos motoristas, que até o fechamento desta edição ainda bloqueavam a via de acesso à cidade, é um um sinal de que o movimento dos caminhoneiros segue forte no interior do Brasil, embora tenha perdido ímpeto nas áreas próximas às metrópoles.

Em Chapadão do Sul (MS) e em Bauru (SP), manifestantes cortaram os trilhos e retiraram parafusos das ferrovias, para evitar que produtos fossem escoados por trem.

 

Já em Holambra (SP), motoristas foram ameaçados com armas de fogo para que não seguissem viagem.

A situação também era grave em Colorado (PR), conforme relatos recolhidos pela Frente Parlamentar Agropecuária.

Nas regiões de maior produção agrícola, a greve vinha tendo apoio expressivo do setor rural, que agora ensaia um recuo e tenta se dissociar do movimento, após uma reunião tensa em Brasília nesta terça.

Segundo relatos de pessoas presentes, ouvidas sob condição de anonimato, houve bate-boca a portas fechadas entre os representantes de 18 entidades, incluindo os setores de de grãos, aves e suínos, frigoríficos, caminhoneiros autônomos e transportadoras.

Com os animais morrendo de inanição nas granjas por falta de ração, frigoríficos exortavam os produtores de grãos a "parar de levar comida para a beira da estrada" aos manifestantes.

Os produtores de grãos, por sua vez, respondiam que os manifestantes tinham razão de reclamar da escalada do preço do óleo diesel, enquanto os caminhoneiros diziam que conhecem a realidade do campo porque vêm de famílias de produtores rurais.

No fim da reunião, acabou prevalecendo um posicionamento contrário à paralisação, por receio de que o movimento seja usado politicamente por grupos favoráveis a uma intervenção militar.

Entidades e parlamentares saíram do encontro declarando publicamente que haviam "terroristas infiltrados nas mobilizações" e pedindo ao governo que efetue prisões.

"O que no começo era uma greve legítima se transformou num instrumento de caos social", disse à Folha o deputado Marcos Pontes (PSD-MG)

Também pesou no recuo do setor agrícola o fato de os caminhoneiros terem conseguido do governo uma tabela de frete mínimo, o que prejudica os produtores.

"Não concordamos com isso. O tabelamento dos fretes é repassar os custos de um setor para outro", disse Antonio Galvan, presidente da Aprosoja-MT.

Nos primeiros dias da paralisação, Galvan chegou a gravar um vídeo de apoio aos grevistas, conclamando os produtores a levar tratores para bloquear estradas.

Alexandre Schenkel, presidente da Ampa (Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão), outra entidade que apoiou a manifestação, disse agora que o protesto chegou a um estágio político de baderna.

"Já há uma insegurança e risco para todo o agronegócio, principalmente para os irmãos da produção de proteínas", afirmou.

Após nove dias de paralisação, a conta chegou para diversos setores: milhões de aves ainda podem morrer de inanição; 400 mil toneladas de soja deixaram de ser escoadas; 360 milhões de litros de leite foram jogados fora e as usinas de açúcar e álcool estão todas paradas.

Segundo a CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária), a perda estimada de produção agrícola já ultrapassa R$ 6,6 bilhões.

Os produtores vinham apoiando os caminhoneiros por causa do aumento do diesel e da insatisfação com o governo Michel Temer.

Os agricultores estão especialmente insatisfeitos com o embate sobre o Funrural.

O imposto havia sido declarado inconstitucional pela Justiça, mas a União recorreu e venceu, deixando uma pesada dívida para o setor.

Também colaborou o fato de que muitos produtores aproveitaram os juros baratos do Finame/BNDES durante o governo Dilma Rousseff para comprar caminhões e abrir pequenas transportadoras.

Em razão disso, o aumento do preço do diesel passou a impactá-los não só dentro da propriedade, mas também no novo negócio. Muitos nem acabaram de pagar o financiamento dos veículos.

A percepção das pessoas presentes ao encontro em Brasília é que os caminhoneiros não confiam na medida provisória assinada por Temer e querem esperar a publicação da tabela de frete mínimo, o que deve ocorrer nos próximos dias, para ter a certeza de que os valores ficarão acima dos atuais.

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