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Cifras & Letras

Manual feminista deixa recado, mas peca por excesso de piadas

Autora exagera em dicas contraditórias em texto que estimula sororidade

Anaïs Fernandes
São Paulo

Enquanto lia Clube da Luta Feminista, de Jessica Bennett, autointitulado um manual de sobrevivência para ambientes de trabalho machistas, pensava em como explicar aos responsáveis pela seção que não considerava que o livro rendesse uma crítica consistente.

Bennett é uma jornalista premiada, a qual admiro, que escreve sobre mulheres, sexualidade e cultura. No ano passado, foi convidada pelo jornal The New York Times para liderar a pioneira editoria voltada para questões de gênero.

A leitura era, portanto, promissora, mas o espírito interativo do livro —com espaços para leitores rascunharem frases de autoajuda à lá “Destrua Este Diário”— soa forçado e prejudica, ao menos em parte, a seriedade do tema.

Protesto em Nova York contra frases machistas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump - Eduardo Munoz/Reuters

Senti, porém, extrema dificuldade de rejeitar a proposta de resenha, com receio de pensarem que eu não dava conta do trabalho.

Naquela mesma semana, uma amiga jovem e que trabalha em uma grande financeira comentou como não conseguia aceitar que ela fosse uma profissional competente —embora tenha menos de 30 anos e já seja responsável, sozinha, por projetos inteiros da sua área na companhia.

Ela não sabia, mas isso tem um nome: síndrome da impostora. São mulheres que têm certeza de que vão fracassar antes mesmo de executarem a tarefa, subestimam sua experiência e até se sentem uma fraude, explica o manual.

 A dificuldade de dizer “não”, mesmo quando há argumentos sólidos para tal, também é uma situação em que mulheres frequentemente se encontram, aponta Bennett.

Existe ainda a mulher rejeita-crédito, a eterna assistente, a fidelíssima (ela tem fé de que vai ganhar um aumento, uma promoção etc.), a ini-mina (aquela que comete “sororicídio”, ou seja, distribui cotoveladas às mulheres para se afirmar perante os homens).

Essas definições estão na segunda e mais interessante das seis partes do livro, chamada de “Conhece-te a ti mesma”. 

No manual, Bennett apresenta “o inimigo” (tipos masculinos e seus traços, voluntários ou não, de machismo), estereótipos construídos sobre como são as mulheres no ambiente de trabalho e desafios para falar em público, sempre acompanhados de indicações de como lidar com cada caso.

Algumas dicas, porém, parecem contrárias ao objetivo do livro —como a de encontrar um parceiro a quem pedir para assentir com a cabeça e fazer cara de interessado enquanto ela fala em reuniões.

“Quando alguém tentar ficar com o crédito pelo seu trabalho, combine que ele deve dizer em alto e bom som: ‘Sim, que nem a Jess falou’. Ele enfrenta o problema, ganha os aplausos, e você não precisou sequer abrir a boca.”

Queremos abrir a boca, Bennett. Mas, para isso, é preciso conhecer as situações problemáticas (e se reconhecer nelas). Dar nome aos bois, como faz a autora, é de grande ajuda.

Nesse sentido, também são interessantes os relatos verídicos de colegas e até pessoas famosas que Bennett enxerta no livro. Como quando, conta, a romancista Rebecca Solnit teve sua fala atropelada por um homem que insistia em que ela precisava ler um livro —se tivesse deixado Solnit falar, descobriria que ela era a própria autora da obra.

Também são úteis algumas das quase 300 notas que embasam afirmações da escritora —95% das mulheres já se sentiram sabotadas por outra mulher ao menos uma vez na carreira, por exemplo. 

Por isso, Bennett é clara e constante ao longo de toda a obra em afirmar que mulheres devem se apoiar no ambiente de trabalho. “O único jeito de realmente interromper essa tendência de mulheres competindo umas contra as outras é colocar mais mulheres em posições de poder.”

Em uma época em que o presidente dos Estados Unidos diz para uma âncora de televisão que ela deve estar “sangrando por aquela parte”, Bennett observa que há ainda sutilezas —um machismo sutil na sociedade que permite até que tais figuras assumam papéis de liderança.

“Hoje, reconhecer o machismo está mais difícil do que antes [...] ele é insidioso, vago, politicamente correto, e até mesmo simpático. [...] Precisamos nos armar com dados para provar que o problema existe e precisamos de táticas.”
 

Clube da Luta Feminista

  • Preço R$ 39,90 (235 págs.)
  • Autor Jessica Bennett
  • Elenco ed. Fábrica 231
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