Se trabalhador não é chamado, é como contrato de gaveta, diz técnico do Ipea

Aguinaldo Maciente pede cuidado ao se computar os contratos intermitente em estatísticas

Laís Alegretti
Brasília

O contrato intermitente só deve ser contabilizado como uma nova vaga de emprego se houver a informação de que a pessoa foi, de fato, chamada para trabalhar.

Essa é a avaliação do coordenador da área de mercado de trabalho do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Aguinaldo Maciente.

"A gente vai precisar de cuidado para não inflar artificialmente", alerta o economista.

Além de ser imprescindível verificar se os intermitentes de fato trabalharam, ele aponta que as características dessa modalidade podem levar as pessoas a buscarem firmar vários contratos para aumentar as chances de convocação.

Aguinaldo Maciente, técnico de Planejamento e Pesquisa do IPEA - Reprodução

Da mesma forma, as empresas tendem a criar um banco de trabalhadores com esse tipo de contrato.

"Isso é um elemento que pode inflar ainda mais essas estatísticas", diz Maciente.

Diante da necessidade de adaptar as estatísticas a novidades como o contrato sem jornada fixa, o Ipea atua em parceria com o Ministério do Trabalho para monitorar os efeitos da reforma trabalhista.

 

Como avalia o uso das novas formas de contrato?

Temos ainda uma capacidade limitada de saber o que está acontecendo com as novas modalidades, até por ser uma reforma bastante ampla e de trazer, de início, certa insegurança.

Ainda há dificuldade das empresas de saber o que acontecerá com a validade das novas regras para contratos já existentes. Agora que Justiça do Trabalho está começando a normatizar isso.

Talvez mais para o fim do ano as empresas venham a adotar mais, principalmente a modalidade intermitente em comércio e serviços, para atender demanda de fim de ano.

Quais são as dificuldades para captar dados sobre intermitente?

É um desafio para pesquisas domiciliares, como a PNAD, entrar nesses detalhes do contrato.

Nem sempre quem responde o questionário sabe detalhes da modalidade de contratação das demais pessoas.

Provavelmente será muito subdeclarada na PNAD a quantidade de intermitentes.

Esses tipos novos de contratação devem aparecer de forma mais explícita nas estatísticas oficiais.

Empresas declaram intermitente no Caged, mas não há dado sobre hora trabalhada.

No Caged, quando aparece o trabalhador intermitente, não tem como saber se a pessoa foi convocada ou não para o trabalho.

As empresas podem tender a montar como se fosse um banco de trabalhadores que, quando precisarem, podem chamar.

As novas modalidades trazem detalhes que as estatísticas tradicionais não estavam acostumadas a mensurar. São probleminhas que o ministério e o IBGE estão tentando melhorar.

Se o contrato intermitente não garante trabalho e remuneração, é adequado contabilizá-lo como criação de emprego?

Temos de tomar bastante cuidado de computar o trabalho intermitente como vaga de emprego formal criada. Segundo regras internacionais que o IBGE adota, o trabalhador só é considerado empregado se tiver trabalhado pelo menos uma hora naquele mês.

No trabalho intermitente, só se a gente souber que houve mesmo alguma remuneração naquele mês, ele pode ser computado como empregado.

Se não foi chamado, é como se fosse contrato de gaveta.

No próprio Caged, para computar criação de vaga mês a mês, a não ser que a gente tenha essa informação [remuneração] em algum momento, a gente nem deveria computar como vaga criada.

Não temos certeza de quantos daqueles lá trabalharam efetivamente. A gente vai precisar de cuidado para não inflar artificialmente.

 

Os empregadores tendem a firmar uma quantidade maior de contrato intermitente do que pretendem, de fato, convocar?

Sim. O próprio garçom, por exemplo, no caso de um buffet, pode ter contratos com vários outros empregadores.

Acredito que o intermitente desejará ter mais de um [contrato] para ter mais opção de ser chamado.

Isso é um elemento que pode inflar ainda mais essas estatísticas se a gente só olhar para os números brutos, como estão presentes hoje.

O saldo de intermitentes já afeta artificialmente o resultado total?

Na movimentação dos trabalhadores como um todo, ainda não é muito significativo [a quantidade de contratos intermitentes]. Mas há perigo de acabar inflando.

Em maio, 10% do saldo total de criação de emprego é intermitente.

Nos meses em que tiver pouco saldo, positivo ou negativo, tem de ter cuidado extra para não computar muitos desses daí como vagas garantidas de emprego.

Mas, claro, é um indicador positivo de que o tipo de contrato está começando a ser mais usado.

Mesmo com as estatísticas longe do ideal, como avalia a contratação de intermitentes nestes primeiros meses?

A movimentação que a gente consegue observar ainda é pequena, o que sinaliza que as empresas ainda estão testando essas modalidades. Começa com o setor de serviços e ainda é uma coisa que está difícil de saber se vai se alastrar mais para o mercado de trabalho.

Inicialmente, a expectativa era que isso fosse ser um pouco mais rápido, mas por enquanto as empresas estão mais cautelosas. Pode estar havendo insegurança.

O Ministério do Trabalho fez uma portaria para tentar regulamentar alguns aspectos, mas por enquanto vale praticamente o que estava na reforma [trabalhista].

Mesmo em relação ao intermitente, a empresa pode estar um pouco reticente, porque não deixa de ser um vínculo de trabalho e ainda não há uma jurisprudência formada.


Aguinaldo Maciente, 45 

  • Carreira - Técnico de planejamento e pesquisa no Ipea desde 1998, hoje é coordenador da área de trabalho e desenvolvimento rural 
  • Formação - Graduação e mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo e doutorado em economia aplicada pela Universidade de Illinois em Urbana Champaign

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