'Nunca admiti pagamento de propina a ninguém', diz Roberto Giannetti

Economista suspeito de atuar em esquema de corrupção nega acusações

Roberto Giannetti da Fonseca, 68: economista formado pela USP, foi diretor da Fiesp, secretário-executivo da Camex no governo FHC e presidente da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior; atualmente é presidente na Kaduna Consultoria
Roberto Giannetti da Fonseca, 68: economista formado pela USP, foi diretor da Fiesp, secretário-executivo da Camex no governo FHC e presidente da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior; atualmente é presidente na Kaduna Consultoria - Bruno Santos/Folhapress
Fábio Fabrini Alexa Salomão
São Paulo

O economista Roberto Giannetti da Fonseca, ligado ao PSDB, nega ter participado de qualquer fraude para livrar a siderúrgica Paranapanema de débito fiscal no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Ele é investigado na Operação Zelotes, que apura possível pagamento de propinas a conselheiros do órgão. 

Giannetti disse que foi técnica sua atuação no caso, que discutia se a Receita tinha competência para anular benefícios de drawback dados pela Secex (Secretaria de Comércio Exterior), ligada ao Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). 

Por esse sistema, exportadoras têm impostos suspensos ou eliminados na importação de insumos.
“Nunca admiti pagar um tostão para ninguém”, disse o economista, que se afastou de campanhas tucanas.  

Ele, no entanto, evitou falar sobre o envolvimento de escritórios que foram seus parceiros: “Se houve [corrupção], que se apure”.

 

A Paranapanema contratou o sr. para quê?  Ela me contratou não só para esse serviço [no Carf], foi para diversos. A Kaduna Consultoria (que pertence a Giannetti) tem 30 anos. Não é uma empresa de fachada, criada antes de ontem para cumprir qualquer papel ilícito. 

No Carf, se a empresa já tinha um advogado constituído, por que contratar a Kaduna? Porque já estava dentro do processo de gestão do drawback deles e conhecia que esse problema no Carf era um equívoco grave da Receita. 

O advogado deles foi malsucedido na instância preliminar. Quando o recurso vai para o Carf, em Brasília, a Paranapanema pediu que a Kaduna entrasse. O Carf exige um acompanhamento processual permanente: documentos, pareceres, memoriais. É onde entra o escritório Spíndola e Palmeira [de Vladimir Spíndola, também investigado].

Quem o escolheu? Eu sugeri. Conhecia ele porque a mãe dele, Lytha Spíndola, havia trabalhado na Receita, como secretária de Comércio Exterior do Mdic quando eu era secretário-executivo da Camex [Câmara de Comércio Exterior]. 

E o [Edson] Rodrigues [outro investigado], em que momento entra? Vou chegar lá. O Carf avalia, num primeiro momento, conflito de competência entre Receita e Mdic. Então o Carf decide pedir uma nota técnica do Mdic: “Por favor, nos esclareça quem é que tem competência para emitir, prorrogar e revogar atos de drawback”. Essa nota foi emitida em 2010. Esclarece que a competência no caso é do Mdic. 

Entra a nota técnica no julgamento do Carf. Os juízes leem, pedem esclarecimentos. Nessa altura é que aparece então a sugestão do Vlad [Vladimir] de que seria bom termos o apoio de um escritório local que tenha uma atuação muito forte, muito exitosa no Carf.  

Que escritório é esse? O do fulano de tal Rodrigues. Nem sabia que o Rodrigues tinha sido presidente do Carf. Sabia que o Vlad tinha dito que ele era um advogado com muito êxito nas defesas que fazia e queria colaborar conosco. Não fui ao julgamento. Estavam lá o Vlad, o Rodrigues, contratados para fazer isso. 

Há um e-mail [seu] que vincula sua remuneração ao parecer do Mdic. Não diz isso. Diz que eu trabalhava sem contrato. No momento em que acompanhei a movimentação do parecer, falo à empresa: “Está na hora de assinar o contrato”. A remuneração era só quando o Carf desse fim ao julgamento.

Vinculada a êxito? A êxito no fim [do julgamento]. No parecer do Mdic, não tinha. Qual foi o percentual? 1,5% do valor evitado. Deu (R$) 7 milhões e pouco.

O sr. diz que não pagou propina. Mas há a possibilidade de terceiros terem feito? Ganhei êxito pelo meu trabalho. Não vou opinar sobre terceiros. É coisa para discutir nos autos. Eles que têm de se defender.

O sr. passou quase R$ 5 milhões para dois escritórios, um de um ex-presidente do Carf e da filha dele, ex-conselheira; outro que é do filho da ex-secretária da Camex, com influência no Mdic. O Mdic não deu parecer errado. Ninguém pagou nada no Mdic. 

Houve trabalho de advocacia ou lobby? O que você chama de lobby? Sentar com uma pessoa do Mdic e dizer: “Preciso que você dê um parecer sobre a legalidade, cumpra a lei”. Isso é lobby?

O sr. participou das reuniões com os conselheiros? Nunca estive no Carf, com conselheiro, com o Rodrigues nem com filha dele. Minha relação era com Vlad, por telefone. Nem ia a Brasília nesse caso. Meu trabalho é técnico, econômico. Sou economista, não advogado. Eles [do Carf] tomaram a decisão por 5 a 1.

Os emails mostram que, quando publicada a decisão, vocês começam a discutir uma portaria conjunta para evitar recurso. Eu era do Conselho de Comércio Exterior da Camex. Reportei-me ao ministro Mauro Borges e ao secretário de Comércio Exterior, Daniel Godinho, na reunião, dizendo: “A questão do drawback precisa de norma mais clara que defina que a competência é exclusiva do Mdic. Não citei a Paranapanema. Falei que havia casos em julgamento. 

Por que uma portaria para evitar o recurso? Para ratificar o que já estava na lei, para não deixar dúvida. (...) O procurador [da Zelotes] está errado, pois a portaria 1618/2014 [citada na investigação] fala de questões operacionais. Não tem a ver [com o julgamento].

Mas ela beneficia o setor, inclusive a Paranapanema. Beneficia a exportação brasileira, e a Paranapanema é exportadora. Mas nada diretamente ao caso Carf. 

Houve outra portaria, em 2015, que tem relação (com o Carf). Minha medida saiu, o que eu pedi: um grupo para melhorar a qualidade do drawback no Brasil. Então, fizemos, sim, essa portaria. Um ano depois [do julgamento]. Como é que poderia ter influenciado a decisão [do governo de recorrer]?

A questão não é o resultado, mas o processo: entes privados fazem uma minuta de portaria para enviar à Secex, com o propósito de que ela a apresentasse à Receita como oficial. Acontece todos os dias. O email [que descreve a minuta] não é meu. Não sei de que minuta ele [Vladimir] está falando. Não pedi minuta nenhuma para ele. É problema dele.   


 
Parte de sua remuneração não estava vinculada a essa portaria?  Nada.

Essa aproximação com a Secex para chegar à portaria, que tipo de trabalho é esse: advocacia, consultoria, lobby? Estava como membro do conselho, desculpe. Não estava vendo o caso Paranapanema, mas o conjunto da obra. Se o drawback não tiver mais segurança jurídica, não vai mais ser usado. Foi um absurdo a autuação fiscal. Não é justo que só coloquem acusações contra mim, sem dar uma linha sobre um ato incorreto, abusivo do fiscal [da Receita]. Não teria tido Carf, não teria tido nada se esse cara não fosse um idiota de fazer essa autuação.  

O processo acabou em 2014. Depois, foram feitas doações para o PSDB e o PSB. Não tem vínculo com o julgamento [do Carf]. Contribuo em campanhas desde 1983. Participei de todas. [Geraldo] Alckmin, Aécio [Neves] também, hoje com arrependimento. Sou um dos primeiros apoiadores do PSDB. Não quero deixar de ser. Hoje estou até inibido.

Saí da campanha do Alckmin, da campanha do Doria porque não quero voltar lá, estou constrangido. 

Vou até te contar uma coisa absurda que aconteceu. Documento que eu tinha dentro de meu notebook, sobre o Alckmin, três horas depois [da apreensão] estava no jornal. Quem vazou, e é correto fazer isso? Era a carta ao povo brasileiro do Geraldo, que ele ia assinar com os partidos do centrão para não ser uma adesão oportunista, para ser uma adesão programática. Depois que vazou, fica complexo. O cara que preparou está sendo suspeito.

Há uma planilha apreendida, vinculada a Vladimir, que fala de valores para os conselheiros do Carf.  Não vou comentar Vladimir, porque não conheço a planilha, não conheço o que ele faz no escritório dele. Conheço o que eu faço. 

Nos últimos quatro anos, vimos uma dezena de operações. Como o sr. se sente no meio de uma delas? Sempre apoiei a Lava Jato. Conheço o Sergio Moro, tenho grande admiração por ele. Saímos juntos numa fotografia outro dia. Acho a Lava Jato fundamental, está mudando a história do Brasil. 
Sempre fui absolutamente rigoroso com processos de corrupção. Antes de haver compliance, já era bastante rigoroso. Nunca admiti pagar um tostão para ninguém.

Agora o sr está como suspeito. Para você ver que absurdo. Jamais imaginei que viessem bater na minha porta e dizer é a Polícia Federal, 6h, busca e apreensão na sua casa. Para mim, isso é um choque, uma tempestade, pelos valores éticos e da minha família. O maior ativo que eu tenho aqui é confiança. 

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