Descrição de chapéu Financial Times

'Nosso dinheiro simplesmente acabou', afirma Jamie Oliver

O chef de cozinha fala sobre um ano de demissões, fechamentos de restaurantes e críticas

Mark Edmonds
Londres

Era uma noite agradável, em setembro de 2017. Jamie Trevor Oliver MBE, chef de cozinha multimilionário e filantropo, flagelo dos barões dos refrigerantes, estava filmando um episódio de "Saturday Night Feast", sua série para o Channel 4, em companhia da atriz Liv Tyler. O cenário, nada hollywoodiano, era o Southend Pier, em Essex, e a estrela convidada estava mostrando a Oliver como prepara seu prato mais apreciado, bolinhos de camarão. E então o celular dele tocou.

A ligação provou ser bastante desconfortável, e o chef por uma vez reagiu sem a bonomia brincalhona que o sustenta desde que começou sua carreira na TV, com o programa "The Naked Chef", em 1999. Oliver ordenou que a equipe suspendesse as gravações.

A mensagem da pessoa na outra ponta da ligação foi direta e brutal: a cadeia de restaurantes de Oliver, Jamie's Italian, que a empresa dele expandiu agressivamente de uma única casa em Oxford, em 2008, para 43 restaurantes no final de 2016, estava em sérias dificuldades, oscilando à beira da falência.

"Nosso dinheiro simplesmente acabou", ele recorda, sentado em um sofá vintage na sede do Jamie Oliver Group, na região norte de Londres, nove meses mais tarde. "E não estávamos esperando. Isso não é normal, em qualquer que seja o negócio. Há reuniões trimestrais. Reuniões do conselho. As pessoas contratadas para administrar essas coisas deveriam tê-las administrado." Seu tom surpreendentemente amargo dá a entender que alguém o deixou na mão, e Oliver não gosta nem um pouco disso.

Não lhe restou muita escolha a não ser instruir seus banqueiros a injetar 7,5 milhões de libras de suas economias nos restaurantes. Nos meses seguintes, outros 5,2 milhões de libras seguiram o mesmo caminho. No ano passado, o patrimônio de Oliver foi calculado em 150 milhões de libras. Mesmo assim, 12,7 milhões de libras não são uma quantia que alguém perca embaixo das almofadas de um sofá, por mais vintage que o móvel seja.

"Eu tinha duas horas para colocar dinheiro na empresa e salvá-la ou a coisa toda iria para a merda naquele dia ou no dia seguinte", ele prossegue. "Foi assim ruim, assim dramático."

Para Oliver, 43, os últimos 12 meses foram excepcionalmente dolorosos. Ele foi forçado a fechar 12 restaurantes e a demitir centenas de pessoas; sua empresa está vivendo um período tumultuado, e ele sofreu críticas severas da imprensa, especialmente pela controvertida decisão de manter seu cunhado Paul Hunt no posto de presidente-executivo do Jamie Oliver Group, para o qual ele foi apontado em 2014.

Oliver não costuma conceder entrevistas longas, especialmente quando o assunto pode ser descrito como "más notícias" —mas sua honestidade é perceptível, ao tratar das falhas de sua empresa. Essa é a primeira vez que ele fala longamente sobre os problemas de seu negócio. No passado, ele estimou ter "f...ido" 40% de seus empreendimentos, ao longo de sua carreira, mas o que é que aconteceu de tão catastroficamente errado com sua cadeia de restaurantes? E o que isso significa para os negócios de Oliver no futuro?

"Eu honestamente não sei [o que aconteceu]", ele admite. "Ainda estamos tentando descobrir, mas acredito que os gestores que tínhamos na empresa estavam tentando administrar o que eles definiriam como uma tempestade perfeita —aluguéis, taxas, o declínio das ruas comerciais, os custos da comida, o Brexit, a alta do salário mínimo. Muita coisa estava acontecendo."

O império de Oliver foi construído ao longo de 20 anos. Depois de sair do segundo grau com apenas dois certificados GSCE —no Reino Unido, um aluno de segundo grau necessita de certificados GSCE em 10 matérias se deseja fazer um bom curso superior—, ele começou a trabalhar lavando pratos no pub de seus pais, na região norte do condado de Essex.

Depois, foi trabalhar com o chef de cozinha italiano Antonio Carluccio, antes de se transferir para o The River Café, em Hammersmith, onde terminou descoberto em 1997 por uma equipe de TV que estava visitando o restaurante. Dois anos depois, ele estreou seu primeiro programa de TV, "The Naked Chef", que mostrava Oliver circulando em uma scooter e cozinhando refeições rápidas; o programa fez dele um astro.

Seu jeito de cara comum, entusiasmo contagiante e jargão característico de Essex —"Bish bosh!" (besteira), "Lovely Jubbly" (o slogan de um refrigerante local), "Pukka!" (ótimo)— logo o tornaram conhecido. E o dinheiro começou a entrar.

Hoje, Oliver continua a ser o chef de cozinha mais famoso da mídia britânica. Com vendas de mais de 40 milhões de livros, ele é o escritor de não ficção de maior sucesso do Reino Unido. Mas à medida que sua celebridade crescia, as reações negativas também ganhavam força —suas campanhas de combate à obesidade levaram a acusações de que ele era "antipobres" e de que tem preconceito contra os gordos.

Mais recentemente, Oliver foi acusado de "apropriação cultural" por ter lançado uma linha de "jerk rice" (um prato à base de arroz, de origem jamaicana).

Os negócios e a marca de Oliver estão sofrendo um de seus momentos mais difíceis, mas ele ainda assim consegue manter o controle sobre uma situação cada vez mais complexa.

Em muitas manhãs, ele vai de sua casa de 9 milhões de libras em Highgate, zona norte de Londres, à sede da empresa em Holloway de scooter, a velha scooter azul que ele usava em "The Naked Chef". É comum que chegue ao escritório às 5h30 e que trabalhe até as 21 h. Mais de cem pessoas trabalham na sede da companhia, testando receitas, preparando programas de TV e internet, publicando receitas e conduzindo campanhas quanto a causas alimentares.

Assim que o visitante entra, se vê em uma cozinha em escala industrial projetada por Oliver em pessoa e usada para testar receitas e cozinhar refeições para os empregados. As refeições são gratuitas para os trabalhadores, mas contam como benefício tributável. Os trabalhadores também têm acesso a massagens ao preço (subsidiado) de 10 libras por sessão de meia hora.

As operações mostram claramente a influência de Oliver; uma estação de corte, de cobre, vinda do velho pub do pai dele ocupa um dos cantos da cozinha. Em uma parede, um grande mural com a frase "Big Love" serve de pano de fundo aos acontecimentos. Oliver usa essa expressão como assinatura em todas as suas cartas (inclusive as que ele envia à primeira-ministra britânica sobre suas campanhas por alimentação saudável).

Ele aponta para uma foto em outra parede que o mostra ao lado dos astros de cinema Brad Pitt e Jennifer Aniston, e conta que Aniston entrou em contato com ele em 2003 e perguntou se ele estaria interessado em cozinhar para o jantar de 40º aniversário de Pitt.

"Normalmente não faço esse tipo de trabalho, mas ela gostava do Fifteen [restaurante criado por Oliver em 2002 para ajudar jovens carentes a iniciar carreira na culinária], e ofereceu uma grande doação à fundação. Por isso peguei o avião com dois aprendizes do restaurante. Eles nunca tinham viajado de avião, quanto mais em primeira classe. Logo que entraram no avião, estenderam os leitos e colocaram seus pijamas. Eles tampouco tinham cozinhado para grandes estrelas de Hollywood, mas fizeram um ótimo trabalho."

O relato é revelador: apesar de todo o seu sucesso, Oliver continua espantado, talvez até surpreso, com o alcance mundial de sua fama. "Cresci em um pub, e meus amigos de escola eram ciganos e cockneys", ele diz.

Quando Oliver criou o Jamie's Italian em 2008, a casa tinha um caráter distinto. Ele e seus chefs de cozinha selecionavam ingredientes de alto bem-estar —um dos marcos duradouros das receitas e da culinária de Oliver— e produtos orgânicos básicos como leite, manteiga e azeite de oliva. Ele também introduziu ingredientes novos que estavam se tornando moda, como burrata e salsichas 'nduja, descobertos em suas viagens à Itália.

Mesmo os críticos de gastronomia mais difíceis de satisfazer se declararam impressionados. Giles Coren, resenhando o restaurante de Oliver em Oxford para o jornal The Times, escreveu que "a casa está muito adiante de qualquer cadeia de restaurantes italianos que eu conheça, em qualquer lugar do mundo".

Oliver recorda com orgulho o efeito que sua cadeia de restaurantes teve sobre o setor, naquele primeiro momento. "Criamos um imenso desordenamento. Mudamos toda a paisagem do mercado médio. Nossa história foi excepcional, pelos primeiros seis anos. A cultura que construímos era fenomenal. Tínhamos tudo; agora perdemos tudo."

O dinheiro pessoal que Oliver investiu para salvar os restaurantes se somou a 37 milhões de libras em empréstimos do HSBC e a subsídios de outras empresas que são parte do Jamie Oliver Group —entre as quais a Jamie Oliver Holdings, que responde por seus livros e produções para a mídia. As dívidas declaradas pela cadeia de restaurantes no ano passado chegavam a 71,5 milhões de libras. Para deter a saída de capital do grupo, Oliver e o conselho optaram por pedir licença às autoridades para um CVA, um acordo de reestruturação voluntária que resultou no fechamento de 12 restaurantes e no corte de 600 empregados. Oliver sustenta que ele não tinha escolha a não ser uma reestruturação, para preservar os outros 1,6 mil empregos no grupo.

Em fevereiro, ele se viu forçado a exercer uma controversa cláusula de reestruturação que permitiu que ele mantivesse a posse de um de seus dois restaurantes Barbecoa, cuja especialidade são os filés. A casa da City de Londres continuou a funcionar sob uma nova empresa, a One New Change, o que significa que o restaurante não será responsável pelas dívidas da empresa anterior. O arranjo forçou diversos fornecedores dos restaurantes a arcar com prejuízos e alimentou ainda mais publicidade negativa quanto a Oliver. "Que absurdo", tuitou o crítico gastronômico Jay Rayner. A empresa insiste em que todos os credores que inicialmente ficaram sem receber já tiveram seus pagamentos acertados.

O grupo de Oliver não é a única cadeia de restaurantes voltada ao público médio que enfrenta problemas. Em julho, os restaurantes Gaucho de carnes tiveram sua falência declarada, o que resultou na perda de 540 empregos. Outras casas sob pressão incluem a cadeia de hambúrgueres Byron, os restaurantes italianos Strada e o Casual Dining Group, que controla cadeias de restaurantes como a La Tasca e Café Rouge. Da mesma forma que Oliver, Will Wright, da equipe de reestruturação do grupo de auditoria e consultoria KPMG, diz acreditar que muitas dessas cadeiras de restaurantes estavam diante de uma "tempestade perfeita". Wright acaba de ser contratado para promover um enxugamento drástico da Carluccio's, a cadeia de restaurantes italianos fundada em 1999 pelo antigo mentor de Oliver. Para manter a cadeia à tona, a KPMG selecionou 30 unidades da rede para fechamento.

Wright diz que o segmento de restaurantes médios deve continuar enfrentando problemas, no futuro imediato. Uma década atrás, havia muito menos cadeias concorrentes, e nenhum app de delivery de comida. "O mercado está simplesmente superlotado. Há concorrência demais e as taxas, aluguéis e outros custos empresariais, especialmente a mão de obra, diante do novo salário mínimo nacional, cresceram todos ao mesmo tempo. A libra perdeu valor, o que torna as importações mais caras. A expansão foi rápida demais e a pressa em expandir as cadeias fez com que muitos dos locais selecionados fossem, digamos, menos que ótimos."

A consultoria de gestão Alix Partners, que administra o CVA do grupo de Oliver, foi menos circunspecta. No documento do CVA, os consultores afirmaram que a companhia vinha investindo em "locais novos que eram simplesmente inadequados".

Na época, Simon Blagden, sócio de Oliver nos negócios há muito tempo, era o presidente-executivo do grupo de restaurantes e Paul Hunt comandava a empresa como um todo. Blagden deixou o posto em outubro de 2017, e foi substituído por Jon Knight, no passado executivo do grupo de varejo Marks and Spencer e depois encarregado das operações internacionais de Oliver. Ele concorda em que "estávamos abrindo restaurantes demais, rápido demais, nos lugares errados. Estávamos abrindo casas em lugares que não eram cidades universitárias, e nos quais não havia turismo em escala suficiente". Knight prometeu a Oliver que em quatro anos ele trará a cadeia "de volta ao seu valor" —ou seja, eliminará as dívidas e a deixará no azul. Segundo Knight, Oliver "receberá seu dinheiro de volta, ou pelo menos a maior parte dele".

Knight também aponta para a desconexão entre os restaurantes e os demais negócios de Oliver. "O cliente compra o mais recente livro de Jamie, assiste ao programa de TV dele no Channel 4, mas, na hora de comer fora, vai ao Prezzo. Era esse o nosso problema. Não entendíamos o motivo. Se a pessoa gostava dos livros, dos programas de TV, por que não ir aos restaurantes? Aos restaurantes de Jamie."

Ed Loftus, o vice-presidente de alimentos e bebidas da empresa de Oliver, criou novos menus para as casas da rede; alguns dos itens de alto preço —prejudicados também pela disparada nos custos dos ingredientes da moda— foram remarcados. "Estávamos acomodados", disse Loftus. "Nosso filé simples agora custa 15,50 libras; antes custava 17 libras."

Sarah Humphreys, analista da consultoria e auditoria Deloitte, diz que as cadeias de restaurantes abertas por chefs de cozinha televisivos às vezes enfrentam algumas dificuldades específicas, além dos problemas que o setor como um todo encara. "Se a personalidade tem uma excelente marca, isso significa que o restaurante tem uma marca instantânea para atrair clientes. Mas, se as coisas saírem errado, o efeito pode ser alardeado e ocupar a atenção dos consumidores, o que dificulta a recuperação."

No caso de Oliver, as questões mais sérias envolviam a administração da empresa. Em artigos noticiosos publicados na época do CVA, em março, alguns críticos –todos anônimos– deram a entender que muitos problemas derivavam de más decisões empresariais tomadas por Paul Hunt, o presidente-executivo do grupo. Os críticos também afirmavam que a atmosfera na sede do grupo Oliver era tóxica, com a saída preocupante de diversos executivos importantes, como Blagden, que fundou os restaurantes com Oliver, e a diretora de finanças Tara O'Neill.

Quando os ataques contra Hunt começaram, Oliver se apressou a defendê-lo na mídia social. "Conheço Paul há anos", ele tuitou, "tanto como cunhado leal e pai amoroso quanto como um presidente-executivo forte e capaz a quem encarreguei de reformular nossos negócios". Essa última frase parecia eufemística demais para Oliver, um sujeito sempre franco.

Quando Hunt chegou à companhia, em 2014, dezenas de empregados e executivos deixaram seus postos na empresa. Alguns foram demitidos, outros optaram por sair. Como parte de seus pacotes de rescisão, muitos tiveram de assinar acordos contendo cláusulas de confidencialidade que os proibiam de discutir Oliver ou membros de sua família publicamente. Isso pode explicar a relutância de muitos dos críticos de Hunt em falar publicamente.

Hunt, casado com a irmã de Oliver, Anna-Marie, é uma figura controversa. Ele teve uma longa carreira na City; veste-se com a elegância dos financistas, e tem a lábia de um operador experiente de mercado. Ele raramente concede entrevistas, mas concordou em falar com o Financial Times na sede da empresa em Holloway, onde ele tem o único escritório com paredes do edifício, que funciona em plano aberto. Mesmo Oliver, o presidente do conselho do grupo, divide seu espaço com os demais trabalhadores.

Hunt, 55, não lamenta a reestruturação que aconteceu depois de sua chegada. "Eu queria mudar o modelo. Jamie queria mudar o modelo. Tínhamos acho que 38 negócios diferentes em operação. Tudo, de agências de talento a estúdios de design gráfico e restaurantes. Precisávamos voltar a fazer com que o negócio girasse em torno de Jamie."

Hunt diz que o processo foi doloroso para todos. "Foi imensamente estressante. Trabalhávamos até as 2, 3 horas da manhã, e, se necessário, dormíamos no chão do escritório. Trouxemos bons assessores e tivemos de tomar decisões extraordinariamente difíceis. Foram momentos desesperados."

Hunt e Oliver culpam "pessoas que saíram a contragosto" pelas acusações surgidas na imprensa sobre o estilo de gestão "intimidador" de Hunt. "Essas afirmações são vis, vingativas, viciosas e infundadas", disse Hunt. "Quando pessoas são demitidas de postos nos quais deram muito duro, há estresse e raiva, e muita negatividade. Tudo que posso dizer, honestamente, é que sempre pagamos mais do que o padrão usual de indenização para os demitidos."

Talvez fosse inevitável que a enérgica reestruturação de Hunt o tornasse nada querido das pessoas da empresa, especialmente as que foram diretamente afetadas pelas mudanças; mas seus antecedentes como homem de negócios, e com isso sua qualificação para o posto de presidente-executivo, também foram questionados. Na década de 1990, Hunt era operador na Bolsa Internacional de Futuros e Opções Financeiros de Londres (Liffe), trabalhando para a filial londrina da Refco, uma controvertida empresa americana que faliria de modo espetacular, em um caso que resultou em numerosas acusações criminais.

Em 1999, quando Oliver começava a ganhar fama com "The Naked Chef", Hunt e três outros corretores da Refco foram considerados culpados de manipulação de mercado pelo painel de arbitragem da Liffe. Eles usavam informações privilegiadas para comprar ações antecipadamente a preços vantajosos, por estarem informados sobre grandes transações iminentes. Hunt foi multado em 60 mil libras e suspenso da Liffe por um ano.

Philip Bennett, o presidente da Refco nos Estados Unidos, foi sentenciado a 16 anos de prisão por fraude, em um julgamento federal em 2008 nos Estados Unidos, depois de se admitir culpado de ocultar US$ 400 milhões em dívidas não pagas. O caso se tornou um grande escândalo financeiro nos Estados Unidos e resultou em controles regulatórios muito mais severos sobre as empresas de serviços financeiros. Será que a Refco era, como diria Oliver, "bem dúbia"?

"Não sei se era dúbia", responde Hunt. "Em Londres certamente não era. Tinha a reputação de ser agressiva e de atrair talentos de outras empresas, de comprar outras empresas. Expandiu-se muito rápido." Quanto à sua suspensão da Bolsa, Hunt diz que foi tratado de modo injusto e que sua condenação tomou por base um detalhe burocrático. "Violamos uma regra da Bolsa. Não achávamos que a estávamos violando. Nossos consultores disseram que não estávamos."

É bem evidente que o histórico de seu cunhado não incomoda Oliver. Ele insiste em que apontar Hunt como presidente-executivo foi a decisão correta. "Eu tenho certeza de que precisava de Paul", ele diz. "Precisava de honestidade, precisava de clareza, e precisava de confiança para resolver uma miríade de coisas. Não se esqueça de que meu trabalho acontece diante das câmeras, produzindo conteúdo para televisão, e também escrevo livros. Não tenho como fazer tudo."

Mas envolver a família na gestão de um grande negócio não é um perigo? Gordon Ramsay, outro chef de cozinha televisivo, se envolveu em uma longa disputa com seu sogro por causa da maneira pela qual este último gerenciou os restaurantes de Ramsay; a disputa terminou com o sogro de Ramsay na prisão. Pela primeira e única vez na entrevista, Oliver parece incomodado e desconfortável, talvez um pouco defensivo.

"Você sabe por que o escolhi? Porque ele é muitas coisas. Mas é honesto, e é justo. Confio absolutamente nele. O trabalho dele era chegar a promover uma limpa. Ele fez um trabalho muito difícil, mas fabuloso. Não digo isso por ele ser meu cunhado. Digo porque é verdade."

Quanto tempo ele tem? "Veja, Paul vai deixar o posto na hora certa. Mas há momentos em que você precisa da família, da confiança completa que a família traz. No tipo de jogo em que estamos –seja restaurantes, TV, mídia–, há sempre o risco de vazamentos. Quando há grana, caixa, coisas sendo roubadas, se não forem os fregueses roubando coisas nos banheiros –e guardanapos– vão ser funcionários roubando ingredientes e garrafas de vinho. Há tantos vazamentos, em toda parte, que eles se tornam normais, aceitáveis. Mas, se você estiver tentando dirigir um bom negócio, com bons valores, para isso terá de trazer a família."

Ao longo da conversa, Oliver mostra honestidade e charme; gostar dele é muito fácil, assim como perceber por que ele se tornou uma personalidade de TV tão convincente. Ele reconhece que muitos dos problemas dos restaurantes foram causados por expansão excessiva, mas também afirma que alguns de seus fracassos nos negócios aconteceram por ele estar tentando entrar primeiro em um mercado. "Há sempre desvantagem em ser o primeiro a chegar. No futuro, vou me dedicar mais a chegar em segundo, e fazer tudo certo."

Ainda que a decisão de indicar Hunt para a presidência-executiva tenha causado repercussões inimagináveis, fica evidente que Oliver é uma pessoa querida no ramo. Mas, enquanto ele caminha pelo escritório, fica evidente que sua presença diante das câmaras a cada dia tem seu custo. Embora repleto de energia, ele tem tendência a contornar perguntas, aparentemente não pelo desejo de obstruir, e sim por efeito do que parece ser uma carga de pressão intolerável: os problemas de negócios, suas campanhas, seus planos incessantes para novas expansões. A vida de Oliver se complica ainda mais por ele e a mulher, Jools, terem cinco filhos. Oliver insiste em que ainda faz questão de levar os filhos à escola, sempre que pode.

Como resultado da reestruturação de Hunt, o negócio de Oliver, muito mais enxuto, agora tem quatro pilares básicos: mídia e livros (em 2017, esse lado do negócio faturou 30 milhões de libras, com lucro anterior aos impostos de 5,4 milhões de libras); licenciamento e propaganda (uma fonte proporcionalmente maior de lucro em 2017, com 7,3 milhões de lucro sobre uma receita de 10 milhões de libras); restaurantes; e filantropia, as campanhas sobre alimentação saudável que para Oliver são tão importantes.

No seu primeiro projeto, o Fifteen, ele queria treinar jovens "desengajados" para que eles arranjassem empregos decentes e aprendessem uma profissão.Na época, ele ainda estava se acostumando ao sucesso e o dinheiro não parava de entrar, em quantias que ele mal conseguia imaginar. Ainda assim, Oliver diz que o orçamento para criar o Fifteen envolvia mais dinheiro do que ele tinha no banco. O projeto chegou perto de exaurir suas reservas, mas ele persistiu. Por sorte, um cheque de direitos autorais da editora Penguin chegou dias depois.

Esse trabalho continua a exigir não só tempo mas muitos recursos. Ainda que o restaurante Fifteen continue funcionando, o treinamento de aprendizes foi reduzido. O Fifteen Cornwall, na cidade de Newquay, continua a recrutar jovens carentes, mas a operação de Londres estava simplesmente custando dinheiro demais ao grupo —perto de 1 milhão de libras ao ano— e um programa de aprendizes menos ambicioso foi montado em torno da cadeia de restaurantes.

O atual projeto de Oliver é uma campanha de combate à obesidade. Ele trabalhou em estreito contato com o governo e com parlamentares das bases dos grandes partidos para preparar a segunda fase de sua estratégia de combate à obesidade infantil, publicada recentemente. Ao longo do caminho ele foi chamado de "hipócrita" pelos jornais sensacionalistas, por vender hambúrgueres e muffins altamente calóricos em seus restaurantes. Um dos principais clientes de sua empresa de mídia, o Channel 4, o criticou por apelar pela proibição de toda publicidade de junk food antes das 21 h. Ele conseguiu até irritar alguns nutricionistas quanto ao uso do termo "obesidade". Oliver disse: "Que palavra devo usar? Não fui eu que inventei o termo".

Ele parece compreensivelmente exasperado, mas não pretende desistir. Está satisfeito com as propostas da estratégia —rótulos mais proeminentes para teor calórico, proibição à venda de doces perto dos caixas de supermercados e restrições à venda de refrigerantes a menores de 16 anos. O chamado imposto sobre o açúcar era uma peça-chave de seu raciocínio, e ele considera a campanha como um sucesso qualificado.

Os restaurantes são assunto diferente. O próximo anúncio de resultados do grupo virá em setembro, e ninguém na empresa espera que ela saia imediatamente do vermelho. Pergunto a Oliver por que ele persiste; os restaurantes valem o sacrifício, quando ele poderia facilmente se restringir aos seus projetos de televisão, publicações e licenciamento?

"Cresci dessa maneira. São coisas que realmente me interessam", ele diz. "E é um coquetel que você precisa acertar, e quanto o faz oferece ao público grande valor pelo dinheiro; tentei provar que se pode usar ingredientes decentes, ingredientes de bem-estar, a preços médios. Com o Jamie's Italian chegamos à metade do caminho e aí as coisas se deterioraram. Mas agora estou mais confiante. Estamos começando a ver alguma luz, em um ano muito escuro."

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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